Artigo:Recuperação de aprendizagens: utopia ou realidade?

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Recuperação de aprendizagens: utopia ou realidade?

Cátia Domingues
I Vice-Presidente do SPGL I

No dia 26 de setembro de 2023 realizou-se, na Assembleia da Républica, pela Comissão de Educação e Ciência, através do Grupo de Trabalho Acompanhamento do Plano de Recuperação das Aprendizagens, uma conferência sobre o tema. A FENPROF fez-se representar pela sua Presidente do Conselho Nacional, Manuela Mendonça, e por mim, enquanto Coordenadora Nacional do 1.º CEB.

Tendo a pandemia evidenciado e agudizado profundas desigualdades sociais e educativas, este era o momento para repensar o projeto educativo de forma a acabar com as desigualdades.

Este programa não foi mais que um cardápio de projetos e atividades, para o qual não foram clarificadas as prioridades, e revelou uma total falta de afetação de recursos, humanos e financeiros, para levar avante tal plano.

A FENPROF, a 2 de maio deste ano, já se tinha pronunciado sobre este programa, a pedido desta comissão, alertando para alguns dos problemas detetados:

“Uma das lições da pandemia é um maior reconhecimento social do papel insubstituível da escola e dos professores. Hoje é claro que o digital é um importante recurso ao serviço da pedagogia, mas não poderá substituí-la – a presença e interação física de alunos e professores é basilar e decisiva no processo de ensino-aprendizagem. Nesse sentido, tornam-se ainda mais prementes medidas há muito reivindicadas pela FENPROF: Turmas mais pequenas para um ensino personalizado; Mais professores para trabalho de coadjuvação; Mais apoios pedagógicos para alunos com necessidades educativas especiais; Horários que permitam aos professores canalizar o seu tempo e a sua energia para o trabalho com os alunos, libertando-os de tarefas burocráticas; Reforço de equipas multidisciplinares (com psicólogos, técnicos de serviço social e animadores socioculturais, entre outros) para despistar e agir sobre comportamentos nocivos a um desenvolvimento global saudável, para assegurar a ligação escola-família, mediar conflitos, prevenir a indisciplina, um dos fatores responsáveis pelo baixo rendimento escolar dos alunos.”

O Tribunal de Contas, no RELATÓRIO N.º 10 /2023-AUDIT, “Plano Integrado para a Recuperação das Aprendizagens 21|23 Escola+, Reforço de recursos e gestão flexível, mas existem fragilidades que afetam a execução com eficácia”, alerta para a existência de “insuficiências na definição do Plano 21|23, como prioridades pouco claras, insuficiente afetação de recursos, excessivo número de ações e inexistência de metas e de indicadores para efeitos de monitorização e avaliação”. Foram também sinalizados “aspetos críticos” da monitorização e avaliação do Plano 21|23, relacionados com o diagnóstico e a avaliação, associados “à inexistência de um sistema de recolha de informação para aferir e comparar resultados antes e após a implementação das ações, com validade e fiabilidade, não permitem saber se e quando serão recuperadas as aprendizagens mais comprometidas”. Em resumo conclui que “os recursos das escolas foram reforçados, mas face às fragilidades relacionadas com a informação financeira e com a monitorização e avaliação, no segundo e último ano de vigência do Plano 21|23, ainda não estão reunidas condições para a sua execução com eficácia”.  

Também o CE (Conselho de Escolas), a 17 de julho, faz uma recomendação sobre o plano de recuperação de aprendizagens Plano 23|24 Escola+, alertando que “não são claras quais as condições criadas para o desenvolvimento do Plano”. O CE, concordando com a necessidade da sua prorrogação, reforça a necessidade de acautelar o reforço extraordinário de docentes, o reforço dos Planos de Desenvolvimento Pessoal, Social e Comunitário, o reforço das equipas multidisciplinares de apoio à educação inclusiva. Alerta, no entanto, como fundamental, o reforço de um acréscimo das horas de crédito ao dispor dos Agrupamentos de Escolas, que, como sabemos, não se verificou, retrocedendo ao crédito disponível pré-pandemia.

Esta medida põe em causa a recuperação das aprendizagens em curso, os planos de inovação, as estratégias de inclusão desenvolvidas, bem como as medidas de promoção do sucesso educativo concebidas pelas escolas.

A escola pública necessita de medidas de fundo e não de medidas avulsas, com financiamento comunitário e não com um investimento, em linha com as recomendações internacionais, de  6% do  PIB, que mais uma vez ficou aquém na nova proposta de Orçamento do Estado.

Como Manuela Mendonça lembrou nesta Comissão de Educação, através das palavras de António Guterres, na ONU, “Temos uma oportunidade geracional para redesenhar a educação.(…) Devemos tomar medidas ousadas agora, para criar sistemas educativos inclusivos, resilientes e de qualidade, adequados para o futuro.”   

Pelos vistos a realidade ficou muito aquém daquilo que era suposto. Será a recuperação de aprendizagens: utopia ou realidade? 

Texto original publicado no Escola/Informação Digital n.º 41 | Outubro 2023