Artigo:Filhos de um deus menor

Pastas / Informação / Todas as Notícias

Filhos de um deus menor

Texto da autoria de Rita Franco apresentado por Dulce Marçal no 15.º Congresso

Os professores do Ensino Artístico Especializado (EAE) atravessam um momento negro da sua existência que parece não ter fim. A melhor descrição que me ocorre aqui trazer emergiu do último Plenário do EAE, através de um cartoon que descrevia um novo género de docente: aquele que, sendo especialista, trabalha mais e recebe menos.

De facto, há que afirmar com todas as letras a injustiça que representa a criação deste gueto de professores especializados que viraram professores de 2ª categoria por via do aumento do horário de trabalho e consequente diminuição do seu salário, face aos seus congéneres do ensino público, mas também em relação aos restantes docentes do Ensino Particular e Cooperativo, pese embora os esforços empreendidos pela Fenprof nas sucessivas e intermináveis negociações. Para quem desconhece esta realidade, o Contrato Coletivo de Trabalho consagra que o horário letivo de um docente não pode ultrapassar os 24 tempos letivos com exceção do EAE, onde este pode chegar aos 29 tempos. Sim, ouviram bem, o nosso horário pode ter mais 5 tempos letivos semanais, o que significa mais um dia de trabalho pelo mesmo salário! Uma discriminação descarada e injusta que ignora a verdadeira dimensão do que é ser professor artista, do que foi o longo caminho para lá chegar, num investimento pessoal e financeiro verdadeiramente hercúleo se somarmos a média dos 12 anos de formação que precedem o ingresso no ensino superior. Então como é possível esta humilhante discriminação negativa, este retrocesso civilizacional. Porque que motivo somos nós, aqueles que depois de tão longa especialização e investimento, os que auferem os rendimentos mais baixos na cadeia de valores do ensino?

Tudo começa com o subfinanciamento do Estado, quando em julho de 2015 deu o golpe de misericórdia, não só cortando nos valores do Contrato de Patrocínio, como acabando com a regra dos 3 escalões de financiamento por idade e tempo de serviço. Esta situação provoca uma corrida das escolas a professores recém-formados, deixando os mais velhos na condição de cartas fora do baralho.

Desde então os sucessivos governos fazem orelhas moucas à agonia em que está mergulhado o EAE, não sendo necessária uma especial capacidade intelectual para perceber o caos de desregulação que esta situação de abandono do Estado provoca, quando simplesmente ignora as condições laborais destes professores desresponsabilizando-se pelo caminho, por vezes descaminho do financiamento atribuído, remetendo o problema para uma negociação coletiva enfraquecida, em direção a um temível mundo novo mais neoliberal que nunca, onde os direitos cedem lugar à exploração. 

Vivemos um tempo perigoso e sombrio onde só o sindicalismo pode ter a voz que fará a diferença. Lutemos para acordar as consciências. Lutemos para que em cada escola haja um delegado sindical que dissemine e defenda os direitos esquecidos entre os mais velhos e desconhecidos entre os mais novos.