Artigo:Da recuperação das aprendizagens à perspetiva farisaica do ME

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Da recuperação das aprendizagens à perspetiva farisaica do ME

António Anes
I Vice-Presidente do SPGL I

Na última reunião intersectorial do SPGL, realizada em setembro, o tema em debate foi a recuperação das aprendizagens relacionadas com a pandemia. Ainda? Perguntarão muitos.

Na verdade, a escolha do tema derivou do anúncio do ME de prolongar o Plano Escolar + 21/23. A esse propósito importa, uma vez mais, destacar o papel que os professores tiveram durante a pandemia de forma a minimizar as fragilidades que o ensino à distância revestiu. Não fossem eles com a sua dedicação e adaptação, estaríamos, sim, a tratar de um fosso irremediável de recuperação das aprendizagens dos alunos em Portugal. Os professores adaptaram-se a essa realidade pandémica e arranjaram estratégias úteis de recuperação, que definiram para as suas turmas e os seus alunos, independentemente de planos miraculosos e de mero pendor propagandístico. Defendi e defendo que a recuperação de aprendizagens, sejam as derivadas da pandemia sejam quaisquer outras, deve ser realizada pelos professores e tanto quanto possível dentro das suas turmas. Os planos devem prever meios e criar as melhores condições para melhorar a sua eficácia. Interessa, pois, recordar o que os ditos planos deveriam proporcionar: turmas mais pequenas, mais professores para coadjuvação, mais apoio pedagógico para alunos com necessidades educativas especiais, horários de professores que disponibilizem tempo e energia para o trabalho com os alunos libertando-os de tarefas burocráticas, reforço de equipas multidisciplinares (com psicólogos, técnicos de serviço social, animadores socioculturais, entre outros). Mas não foi isso que aconteceu na larga maioria das escolas/agrupamentos de escolas. Da análise de um questionário que a FENPROF fez a AE/ENA para avaliar o Plano Escolar + 21/23, resultam claras evidências que demonstram essa falta de condições. Exemplifiquemos: do total da amostra, a esmagadora maioria, 89%, referiu não ter tido reforço de crédito horário, nem de pessoal docente, relativamente ao ano anterior; 82% referiram a importância de turmas mais pequenas para um ensino personalizado; 70%, indicaram a necessidade de mais professores para trabalho de coadjuvação; 52% reclamaram mais apoios pedagógicos para alunos com necessidades educativas especiais; 70% defenderam horários pedagogicamente adequados; 69% consideraram necessário um maior reforço das equipas multidisciplinares.

Servem estes exemplos para ilustrar o quanto o ME ficou por fazer neste domínio. E não vale a pena propagandear o sucesso deste ou qualquer outro plano, se estas condições e limitações ficarem por resolver. Aliás, a este propósito, o ME anuncia o prolongamento deste plano com novo Plano 23|24 Escola+. Vislumbra-se que corrigirá estas dificuldades sentidas pelas Escolas? Não. Antes pelo contrário. Uma das medidas tomadas neste ano letivo foi retirar horas ao crédito global das Escolas, que tinham sido justificadas em anos anteriores pela necessidade de recuperação das aprendizagens. Que medida mais farisaica poderia o ME tomar neste anúncio de um novo plano?

Enfim, não nos iludamos. Ou o ME altera este comportamento hipócrita no anúncio de novos planos e cria as condições efetivas para o seu sucesso, ou continuará neste exercício ilusionista, que poderá ser eficaz como propaganda política, mas totalmente inoperante na recuperação das aprendizagens. Restará o empenho dos docentes, com os seus alunos, nas suas turmas, para o real sucesso dessa recuperação.

Texto original publicado no Escola/Informação Digital n.º 41 | Outubro 2023