Artigo:“Ceteris Paribus”

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“Ceteris Paribus”

Nos inícios de junho, o Centro Comum de Investigação da Comissão Europeia publicou um interessante estudo sobre a relação entre o percurso estudantil dos jovens portugueses e a sua proveniência familiar. Segundo a investigação, os alunos portugueses são os mais social e culturalmente condicionados no contexto da União Europeia: se os pais têm qualificações baixas apenas 37% conseguem profissões mais qualificadas contra 74% dos Países Baixos que se encontram no topo, enquanto relativamente aos avós nas mesmas condições este valor desce para 33% em contraste com os 58% da Dinamarca, o que denota que este fenómeno tem raízes profundas no passado. Por sua vez, mais um ano de escolaridade da mãe e do pai assegurava uma vantagem de 40% e 38%, respetivamente, no percurso letivo do aluno contra apenas 6% e 5%, respetivamente, na Áustria, país em que a mobilidade social medida por esta correlação atinge o valor máximo. (Fonte: DN, ‘Negócios’, 5. 6. 2021)).

Esta semana surgiu um novo estudo realizado por docentes da ‘New School of Business and Economics’ da Universidade Nova de Lisboa e do University College de Londres com o patrocínio do centro de estudos Edulog ligado à Fundação Belmiro de Azevedo. Foi criado um novo indicador, o Valor Acrescentado por Professor (VAP), que consiste em estabelecer uma correlação entre o sucesso dos alunos e o desempenho dos professores. A investigação estima que se 10% dos professores com um menor impacto nas classificações escolares (baixo VAP) tivessem o mesmo desempenho dos 10% dos professores com um maior impacto nas mesmas (elevado VAP) a percentagem de notas negativas desceria de 70% para 23% no ensino secundário, de 63% para 22% no 3º ciclo e de 50% para 19% no 2º ciclo (Fonte: ‘Público’, 23. 6. 2021). Conclusão…. deveras brilhante: quanto maior é o insucesso dos alunos pior é o desempenho dos professores.

Antes de tudo, estabelecer este tipo de relação entre duas variáveis, desempenho dos professores e resultados escolares dos alunos, em que a primeira determina de modo unilateral a segunda é, no mínimo, redutor, pois deve ter-se em conta outras variáveis, como a origem social dos estudantes, o nível educativo dos pais e o tipo de escola que frequentam, que medeiam esta relação. Os investigadores consideram que a metodologia que utilizam permite evitar ou isolar a influência destas três variáveis: ‘ceteris paribus’, como é usual neste tipo de metodologia – muito utilizada na chamada ‘economia positiva’ – que se baseia na divisão de um conjunto em partes discretas sem relação umas com as outras, analisa-se a influência de uma delas na outra, considerando as restantes uma ‘constante lógica’. No entanto, só seria possível chegar a uma visão abrangente do problema se, numa segunda etapa, fosse também testado o efeito de cada uma das outras variáveis nos resultados escolares, considerando a primeira constante. Se tal fosse feito, as conclusões seriam muito mais objetivas cientificamente, podendo ser estabelecidas estratégias para melhorar, de facto, o desempenho de todos os professores, por um lado, e dos alunos e das escolas com mais dificuldades, por outro, pois as diversas variáveis e fatores em jogo seriam considerados não isoladamente, separados uns dos outros, mas na sua necessária interdependência. E isto, sem, apesar das ‘boas intenções’, transformar sub-repticiamente, ‘ceteris paribus’, os professores em bodes expiatórios do insucesso escolar num país – é preciso não esquecer – em que mais de 40% da população portuguesa se encontra em risco de pobreza antes das transferências sociais, o que confirma a veracidade das conclusões do estudo do centro de investigação da Comissão Europeia.

 O conselho consultivo do Edulog recomenda que o “sistema de recrutamento de professores, colocação e progressão na carreira” seja objeto de uma avaliação (‘Público’, 24. 06. 2021). Não será porventura por acaso que o secretário de Estado de Educação, João Costa, manifeste interesse em revê-lo abrindo a possibilidade de recrutamento dos professores pelas escolas fora do concurso nacional. Esta proposta é muito problemática, pois poderão começar a deixar de existir critérios objetivos de recrutamento, bem como de distribuição do serviço docente que atualmente deve respeitar a ordenação dos professores segundo a sua graduação profissional. Filinto Lima, presidente da Associação Nacional de Diretores das Escolas Públicas (ANDAEP) dá o mote com uma pergunta que é já virtualmente uma resposta: “Por que temos de obedecer sempre à lista graduada nacional?”  Aviso à navegação…

Joaquim Jorge Veiguinha