Artigo:Professores trabalham, em média, mais de 50 horas/semana

Pastas / SPGL / Setores / 2º CEB - 3º CEB - Secundário

2.º e 3.º Ciclos do Ensino Básico e Ensino Secundário

Professores trabalham, em média, mais de 50 horas/semana

António Anes
I Vice-Presidente do SPGL I

O inquérito - Por horários dignos e desburocratização da profissão docente - sobre os horários dos docentes do 2.º e 3.º ciclos do ensino básico e ensino secundário, demonstra que os professores trabalham, em média, mais de 50 horas/semana.

Os horários e outras condições de trabalho têm vindo a ser identificadas pelos professores, desde há largos anos, como um dos seus principais focos de queixas e preocupação. Um inquérito realizado pela FENPROF, há 7 anos, corroborava essa perceção, que apontava para 46 horas semanais. Mais 11 horas do que o legalmente previsto! 

A FENPROF entendeu, no contexto da realização do Encontro Nacional de docentes dos 2.º e 3.º Ciclos do Ensino Básico e do Ensino Secundário, em 10 de novembro de 2023, cujo lema foi “O Exercício da Profissão e as condições de trabalho no 2.º e 3.º Ciclos do Ensino Básico e no Ensino Secundário”, promover novamente a realização de um outro inquérito, junto dos professores, sobre essa mesma matéria. Considerou ser pertinente atualizar o inquérito realizado em 2017, levando em conta, entre outros aspetos, o reflexo da chamada autonomia e flexibilidade curricular e a(s) formação(ões) de professores, bem como a falta de professores, temas em foco no Encontro acima referido. As exigências colocadas pela capacitação digital adensaram este propósito.

No Encontro realizado foram apresentados os resultados, embora ainda preliminares, mas claramente indicadores do agravamento das condições e horários de trabalho.

 

Caracterização da amostra

Tratou-se de um inquérito de âmbito nacional sobre os horários de trabalho dos professores dos 2.º e 3.º CEB e do ES, com recurso a meios digitais, que decorreu entre os dias 20 de setembro e 31 de outubro de 2023. Obtiveram-se 4553 respostas, das quais 4471 foram validadas. O número de respostas demonstra o envolvimento muito positivo dos professores num inquérito de 32 questões! Para além das relacionadas com a caracterização da amostra (sexo, idade, tempo de serviço, local de trabalho, tipo de vínculo ao ME e grupo disciplinar), compreende dados relativos aos números de níveis lecionados, turmas e alunos por professor; questões sobre o tempo despendido pelos professores em cada uma das múltiplas tarefas/atividades que desenvolvem, seja no âmbito da CL, seja da CNL a nível de estabelecimento.

Destaque-se que, em relação à caracterização da amostra, as 4471 respostas validadas distribuem-se, em termos de local de trabalho, por todas as regiões do país, incluindo as duas regiões autónomas, da Madeira e dos Açores (41% da área da Grande Lisboa).

Também relativamente à distribuição por faixa etária em que se enquadram, os respondentes não se encontram desalinhados com a proporção verificada para o todo nacional, com apenas 1% a situar-se na faixa de “até 30 anos”, estando a maioria integrada nas faixas de “mais de 40, até 50 anos” e de “mais de 50 até 60 anos”, representando 28% e 48% da amostra, respetivamente (4% encontra-se na faixa “mais de 30, até 40 anos” e 19% na faixa “mais de 60 anos”). Confirma-se o envelhecimento da classe docente e o consequente efeito nas falta de professores.

Em suma, nada que se relacione com a dimensão da amostra e com os dados que a caracterizam vai no sentido de as conclusões extraídas do presente estudo, ainda com resultados preliminares, não poderem estender-se ao todo nacional, designadamente, ainda que não só, quanto aos valores médios de tempos despendidos por atividade/tarefa desenvolvida pelos professores e na totalidade dos seus horários.

 

Análise dos principais dados

Em termos médios, podemos afirmar que os professores têm um horário semanal de 50,24h! (ver tabela I). Como são atingidos estes resultados?

Cerca de metade dos inquiridos (48,64%), lecionam 5 ou mais turmas, o que, naturalmente, corresponde ao trabalho com um número excessivo de alunos. (ver figura 3). Destaque para o n.º excessivo de turmas (18,29% tem mais do que 7 turmas). Em relação ao número de alunos por professor, verifica-se que 43,20% tem mais do que 101 alunos; 11,61% entre os 126 e 150 alunos; 7,87% entre 151 e 200 e 5,3% afirmam ter mais de 200 alunos. Já em relação ao número de níveis, 16,76% afirmam ter mais do que 4 níveis.

Especificam-se de seguida os tempos médios dedicados a cada uma das atividades da componente individual de trabalho (ver tabela I), em que os professores necessitam, semanalmente, de mais de 33,65 horas, isto é, cerca de 15 horas acima do legalmente previsto: em primeiro lugar, surge a preparação de aulas, com 10,10 h; seguem-se, as atividades de avaliação - 7,80 h (elaboração e correção de testes e outras tarefas/atividades de avaliação - ver figura 2); o trabalho de Direção de turma ou de Coordenação de grupo ou de departamento com 4,31 h e para outras atividades 11,45 h (tarefas administrativas e atividades burocráticas, preparação de dossiers turma, processos disciplinares, preenchimento de inquéritos, atas, etc.). Destaca-se ainda que os inquiridos têm semanalmente 1,62h de reuniões que, na maioria dos casos, também são incluídas ilegalmente na componente de trabalho individual.

Finalmente, das respostas é possível constatar que os docentes continuam a exercer na componente não letiva de horário de estabelecimento, ilegalmente, atividades que são claramente atividades letivas: os inquiridos afirmam dar em média 2,98 horas de apoios a grupos de alunos e 0,98 horas em coadjuvação atribuídos nesta componente do horário. Isto é, sobrecarregam-se os professores com as atividades que deveriam ser cometidas a outros professores de que o sistema verdadeiramente necessita.

Estes resultados permitem-nos também aferir sobre como têm evoluído algumas causas maiores do desgaste profissional entre os docentes. Refira-se que, em relação a 2017, a perceção do horário de trabalho passou de 46 horas para 50 horas! Servirão também para melhor sustentar aquelas que são as posições dos professores em matéria de alteração dos seus horários de trabalho e que suportam a Carta Reivindicativa, aprovada no encontro por unanimidade.

É, pois, necessário continuar a lutar por horários dignos e pela  desburocratização da profissão docente.


Tabela I - Duração do trabalho, atividade a atividade 

Figura 1 - Distribuição de turmas por professor

Figura 2 - Distribuição percentual do tempo despendido na avaliação

Texto original publicado no Escola/Informação n.º 306 | nov./dez. 2023