Artigo:Escola Informação Digital Nº 19, setembro 2018

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O Tempo e o Modo


José Alberto Marques . Diretor Escola Informação

Às vezes, quando os muros se erguem à nossa volta e só nos resta tudo fazer para abrir caminho, os devaneios da memória, pessoal ou histórica, impõem-nos uma frase, uma imagem, uma situação pontual ou mesmo uma associação de palavras que nos criam uma sensação de déjá vu.
Vem isto a propósito do tempo e o modo do Governo, por oposição ao prazo e ao modo dos professores e educadores e ao prazo e ao modo vertidos no próprio Orçamento de Estado para 2018.
No meio de tanta astúcia governamental, da direita e da esquerda (seja na versão obreirista, seja na versão fraturante), bailam-nos diante dos olhos as palavras tempo e modo (o prazo é mais plebeu, mais processual!). E o tempo e o modo fazem parte do acervo dos instrumentos que foram usados pela oposição, em sentido lato, ao fascismo. Reafirma-se que se trata de uma associação de palavras, não de situações históricas!
O primeiro número de O Tempo e o Modo, revista de pensamento e ação, apareceu nos escaparates em janeiro de 1963. Deixou de ser publicada em 1977. Nasceu no seio da Juventude Universitária Católica, com António Alçada Baptista e João Bénard da Costa aos comandos, mas Mário Soares, Salgado Zenha, Mário Sottomayor Cardia, Jorge Sampaio ou João Cravinho, entre muitos outros, também por lá passaram.
O editorial do primeiro número, de janeiro de 1963, também falava de astúcia. Salientava a certa altura:
Eis por que nos parece indicado, contra um modo astucioso de tratar as coisas e os homens e as suas relações, que, ao nível dos problemas de consciência, haja um modo novo de olhar com atenção, ouvir e pesquisar com humildade, denunciar sem compromissos e concluir com falibilidade.
No fundo, dum problema de verdade se trata ainda: verdade na observação, na análise, na denúncia e na comunicação.
O governo, a propósito da recuperação do tempo de serviço dos professores, treslê o que com eles acordou na Declaração de Compromisso assinada em Novembro de 2017 e esquece o que ficou consagrado no OE para 2018 e a resolução aprovada na Assembleia da República sem votos contra. Os partidos de direita dizem que o governo tem de cumprir o que prometeu aos professores, mas acrescentam que as finanças públicas não aguentam o embate. O PCP diz que o que importa é o aumento do salário mínimo e a melhoria dos rendimentos dos trabalhadores para 2019, já que a questão dos professores ficou resolvida no OE para 2018. O Bloco de Esquerda, dois dias depois da declaração do PCP, achou que era uma boa ideia repetir a mesma receita, deixando as questões da execução do OE de 2018 para outra oportunidade. Fica a pergunta: quem tem a responsabilidade de fiscalizar a sua execução?
Assim, “contra um modo astucioso de tratar as coisas e os homens [docentes] e as suas relações”, nada mais resta aos professores e educadores do que resolver um problema de verdade, “verdade na observação, na análise, na denúncia e na comunicação”.
A semana de 1 a 5 de outubro será decisiva nesse intento!