Vítimas em silêncio
A capa da edição de hoje do jornal “Público” remete com o título “Em 2020, a CITE recebeu zero queixas de assédio sexual” para uma notícia na página 14 do jornal. Na notícia, somos informados que nesse ano apenas foram reportadas três queixas por assédio moral. Carla Tavares, a presidente da CITE explica deste modo este fenómeno: “A única explicação que podemos encontrar para os números serem tão baixos é o silêncio que ainda impera sobre este tipo de situações.” Já este ano, a CITE recebeu até final de Março três queixas por assédio no trabalho, duas por assédio moral e uma por assédio sexual.
Por quê este silêncio? Alguém acredita nestes números tão baixos? Várias organizações de direitos das mulheres têm vindo a público propor que o assédio sexual seja autonomizado enquanto crime e considerado crime público, o que permitiria que qualquer pessoa que tivesse conhecimento de uma situação destas a pudesse denunciar. Os entraves a este desenvolvimento e as divergências para que isso vá para a frente reportam-nos ao que aconteceu há vinte anos atrás em Portugal, com a discussão sobre a alteração da lei para que a violência doméstica passasse a crime público, ou recentemente com a discussão sobre a consagração do carácter público ao crime de violação. Há um preconceito relativamente aos testemunhos e às denúncias, maioritariamente das mulheres vítimas deste tipo de crimes. Um preconceito de género.
O tema do assédio – um tabu – surge de vez em quando a público. Desta vez, na sequência da denúncia feita pela actriz Sofia Arruda de ter sido vítima de assédio numa televisão. Pelo facto de ter recusado avanços por parte de um responsável de uma estação televisiva, foi afastada do canal televisivo durante sete anos. “Sei que fui vítima, mas sentia-me culpada” esta frase de Sofia Arruda sintetiza o sentimento de uma culpa que sente mas que lhe é alheia. Com efeito, quem tem culpa é quem está numa situação de poder e a usa para assediar e agredir. Enquanto os agressores, que geralmente são conhecidos no meio mas resistem impunemente pelo silêncio das vítimas, continuarem a ser tratados com esta complacência social, muitas mais vítimas continuarão em silêncio e com sentimentos de culpa.
Almerinda Bento