Artigo:“Violência não aumentou, indisciplina e cansaço, sim”

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“Violência não aumentou, indisciplina e cansaço, sim”

in Público de 26/10/2019

Numa semana em que os casos de violência em várias escolas foram alvo de notícias na comunicação social, este título do Público de dia 26 de Outubro, num destaque assinado por Natália Faria, ajuda-nos a parar para pensar. Afinal há ou não mais violência nas escolas?

A verdade é que as últimas ocorrências foram mediatizadas e ocorreram num espaço de tempo curto. De tempos a tempos, a comunicação social relata casos de bullying, de agressões a professores por parte de alunos e encarregados de educação e de agressões a alunos e a mensagem passa e avoluma-se sem que se aprofundem as causas dos fenómenos que tendem a surgir por vagas, replicados e mimetizados.

Pela leitura do artigo do Público, ficamos a saber que os últimos dados conhecidos a partir do programa Escola Segura são de 2017/2018 quando foram registadas 6422 ocorrências, ou seja, menos do que as dos cinco anos anteriores. Que o Observatório de Segurança Escolar que monitorizava a violência nas escolas entre 2005 e 2011 foi extinto no tempo de Nuno Crato. Que muitas ocorrências são silenciadas ou desvalorizadas e que o problema está lá, com maior ou menor mediatização, mas que urge analisar e entender as causas para intervir.

Qual o problema de fundo? O artigo aponta para a indisciplina e para o cansaço. E porquê a indisciplina? Será só o reflexo dos problemas sociais que os jovens transportam para a escola, ou a rebeldia própria da juventude? E o cansaço dos docentes, será só pelo seu envelhecimento que já não lhes permite responder ajustadamente aos desafios que os alunos lhes colocam? Penso que essas respostas são curtas e que se não formos mais a fundo não conseguiremos inverter a espiral de violência em espaço escolar.

A escola está envelhecida e, sobretudo, desfasada e desajustada da realidade dos dias de hoje. O tempo dos nossos jovens e os estímulos tecnológicos que fazem parte das suas vidas, desde o berço, não é o tempo nem o menú que a escola lhes oferece. Por isso, a escola dentro da sala de aula é uma seca e o único atractivo é o intervalo. Quero com isto dizer que advogo o dolce fare niente? De modo algum, mas temos que admitir que se a escola não alterar radicalmente os seus métodos e toda a sua estrutura rígida, não estaremos a encontrar a solução para que escola não seja sinónimo de seca. A escola tem de ser um espaço aprazível de vivência e aprendizagem também da Democracia e está longe de o ser.

E quanto ao cansaço dos professores? Só quem está fora das escolas pode desconhecer a profunda exaustão a que a classe chegou. Não é só a idade avançada dos professores/as, embora a idade também conte. A escola é um sufoco: horários sobrecarregados e inimagináveis, programas extensíssimos, turmas imensas, reuniões e mais reuniões, relatórios, grelhas, avaliações, testes, correcções de testes e de fichas, burocracia, papelada, dossiers. E o tempo para conhecer os/as alunos/as, para pensar estratégias melhor adaptadas à diversidade e aos seus diferentes ritmos e também para falar da vida para além da escola e não só para despejar programas extensíssimos. E a precariedade de anos e anos a saltar de escola em escola, de ser contratado anos a fio e saber que nunca irá chegar ao fim da carreira, lembrando K., o agrimensor sobre que escreveu Kafka, que nunca chega ao Castelo!

Claro, como diz o título do artigo “Violência não aumentou, indisciplina e cansaço, sim.” Brecht vem-nos sempre à memória quando pensamos nestes fenómenos: “Do rio que tudo arrasta, diz-se que é violento. Mas ninguém chama violentas às margens que o comprimem.”

Almerinda Bento