Uma Direita à Procura de Autor
No encerramento do congresso do autointitulado Movimento Europa e Liberdade (MEL), na passada quarta-feira, o líder do PSD, Rui Rio, fez questão de sublinhar que o seu partido “não é um partido de direita quando nasceu em 1974, era de centro e marcadamente de centro esquerda”. Nessa altura, todos os partidos, com a exceção do CDS/PP, se proclamavam de esquerda e empenhados na construção do socialismo, pelo que a “recordação” de Rui Rio com efeitos no presente pouco significa, apesar de afirmar que “teria provavelmente sido barrado logo à entrada” se o congresso se intitulasse “congresso das direitas”. Na verdade, a designação MEL, que não passa de um eufemismo, revela uma característica da direita ‘clássica’ que, ao contrário do Chega, nunca se assume como tal, escondendo-se atrás de siglas que ocultam a sua verdadeira natureza.
Em disputa com o partido de André Ventura, Francisco Rodrigues dos Santos, líder do CDS/PP, proclama o seu horror ao centro político, defendendo que para “combater a esquerda precisamos de uma direita forte”, isto é, uma direita libertada da “sua obsessão pelo centro, que a desvirtua”, pois significa “querer ser tudo e o seu contrário”. No passado fim de semana, no congresso de um partido que se assume como uma das referências da esquerda também foi proclamada a mesma oposição ao centro político, com argumentos que não diferem em substância dos de Francisco Rodrigues. Só que a direita, ao contrário de uma certa esquerda que manifesta muita hostilidade a convergências e compromissos políticos, já compreendeu que o aumento da polarização social só a beneficia, razão pela qual abriu a porta ao Chega que ao, que tudo indica, acabará por integrar o seu ‘álbum de família’.
Miguel Morgado, ex-deputado e assessor político de Pedro Passos Coelho, considera que “uma federação das direitas é indispensável mais tarde ou mais cedo”. No entanto, uma “federação das direitas” é um sonho mais absurdo do que a existência de uma monarquia ‘federal’: a direita não se federa, porque as suas diferenças são mínimas, não caracterizando as sua partes ‘constituintes’, como se provou no congresso do MEL. De facto, logo este projeto federativo foi desmentido por Miguel Pinto Luz, vice-presidente da Câmara de Cascais, que defendeu que as diferenças no seio da direita se anulam se surgir um homem providencial: “Só estamos aqui hoje a falar de convergência porque Pedro Passos Coelho deixou de ser líder do PSD. Se hoje estamos a falar de movimentos alargados no centro direita é porque eles nascem quando o PSD foi incapaz de dar soluções aos liberais, aos conservadores, aos sociais-democratas mais empedernidos”.
André Ventura e o Chega já perceberam que são cada vez mais indispensáveis para que a direita chegue ao poder. Para Nuno Afonso, dirigente deste partido de extrema-direita, “ninguém vai fazer um governo que não seja de esquerda sem o Chega”, enquanto André Ventura defendeu que “Rui Rio não tem conseguido fazer o seu papel de oposição à direita e não haverá possibilidades nenhumas de governos à direita sem o Chega”. Tudo aponta para que o ‘centrismo’ de Rui Rio tenha opositores no seio da direita que pela voz de Francisco Rodrigues dos Santos acusa os socialistas de “dar guarida a todos os temas fraturantes de que se lembram todas as minorias e procura convertê-los em ideologia oficial de Estado, ensinando-o nas escolas”.
Na véspera do congresso do MEL a jovem dirigente da Iniciativa Liberal, Maria Castello Branco anunciou que não participaria por este conferir um protagonismo sem oposição a André Ventura, o que impede que seja preservada o que designa como “a defesa de uma direita de rosto humano”. O líder do seu partido, Miguel Cotrim de Figueiredo, apesar de alertar contra o “surgimento no seio da direita de visões autoritárias divisivas”, preocupou-se mais no decorrer do congresso em “apitar contra o socialismo” no mais puro estilo neoliberal da escola de Chicago, permanecendo silencioso perante o violento ataque verbal de Paulo Carmona, vice-presidente do MEL, à sua colega que foi acusada de “imaturidade, irresponsabilidade e falta de educação”. Maria Castello Branco é, de facto, uma ‘menina muito mal comportada’, o que significa que Simone Beauvoir não seria certamente bem-vinda a este congresso.
Em suma, este MEL sabe mesmo a fel.
Joaquim Jorge Veiguinha