Artigo:UM DESEJO PARA O NOVO ANO: que o ME fale claro para os professores e os portugueses

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Tenho cá para mim que o impasse negocial entre o Ministério da Educação e os professores poderá solucionar-se se Isabel Alçada tiver coragem (ou autorização) para responder à seguinte questão: as propostas apresentadas pelo ME para a carreira docente e, conexamente, para a avaliação de desempenho, têm fundamento em questões educativas, em dificuldades orçamentais ou no princípio da "igualitarização" de toda a Administração Pública?

Estudemos a primeira hipótese: o acesso ao topo da carreira deve ser limitado aos professores Muito Bons ou Excelentes (1) e, quanto muito, a um número limitado dos professores "normais", isto é, Bons. Seria uma hipótese com lógica, desde que a distinção entre Muito Bons e Bons fosse feita de modo inequívoco, transparente e fundamentado. Basta ter presente a obscenidade que foi o processo avaliativo destes dois últimos anos, para, com os olhos da verdade, reconhecer que a atribuição de classificações de mérito excepcional obedeceu a critérios aleatórios e a subjectivíssimas preferências. Isabel Alçada foi professora numa Escola Superior de Educação e certamente será a primeira a incomodar-se com o facto de que o que distingue um Muito Bom de um Bom ser a assistência a duas aulas, avaliadas sabe-se lá com que critérios (para não falar já da duvidosa competência de muitos avaliadores). Mas, se dúvidas houvesse, olhemos para a situação criada: atribuiu-se com ligeireza Muito Bom a um conjunto de docentes no início da profissão (eventualmente, mesmo a docentes que terão de sujeitar-se a um exame para a entrada na carreira, mas já têm Muito Bom!); nas escolas /agrupamentos onde um elevado número de docentes requereu essa "distinção", chovem agora legítimas reclamações dos que, por não terem tido lugar na "quota", não tiveram acesso a essa "distinção", curando de saber por que razões foram escolhidos outros que não eles — que transparência aí não há; nas escolas/agrupamentos onde, por razões de coerência com a luta travada ou por um elevado sentido ético-deontológico, o número de candidatos à excelência foi igual ou inferior ao número estabelecido pela quota da escola, é motivo de tristeza e de descrença a atribuição de Muito Bom a docentes que a o conjunto de professores e educadores colocaria entre os seus mais fracos docentes…

Ora, sendo nesta matéria — a distinção entre Muito Bom e Bom — a nova proposta muito semelhante à anterior, fácil é imaginar o que acontecerá se, legitimamente, a maioria dos docentes requerer o acesso a esta "distinção". Em suma: a distinção entre Muito Bom e Bom nunca poderá ser critério para decidir da progressão na carreira, a menos que se aceite a injustiça, o aleatório ou o compadrio como critérios válidos.

E como distinguir os Bons que progridem dos Bons que não progridem? Por lotaria?

A atribuição de Muito Bom deverá sempre ser uma excepção. Deverá premiar uma carreira cujo mérito seja reconhecido pela comunidade escolar, seja avalizado por opiniões exteriores à escola, seja claramente um exemplo e um estímulo para os outros. Não tem nada a ver com a palhaçada que se viveu e com a que se prenuncia.

Quer Isabel Alçada melhorar as escolas? Aqui deixo algumas sugestões: acabe com os departamentos gigantescos e incoerentes e regresse à dinâmica dos grupos disciplinares; ajude as escolas/agrupamentos a construírem projectos educativos com sentido (seria uma boa tarefa para a inspecção), vá generalizando, com calma, o hábito de os professores assistirem às aulas uns dos outros, responsabilizando por isso o coordenador do grupo disciplinar, seja dura para quem não cumpre a sua função. Verá que assim terá consigo os docentes.  Chegam todos ao topo, com exclusão dos que não cumprem? Ainda bem.

Mas voltemos à pergunta inicial: são fundamentos orçamentais que justificam as suas propostas? Assumimo-lo com clareza e negociemos nessa base. Estudemos faseamentos, compensações, o que for preciso.

E se a razão das propostas for  que  "é assim no resto da administração pública", digamos em tom viril que não pode ser tratado de forma igual aquilo que é essencialmente diferente. É que os docentes são mesmo um "corpo especial" (Além de que, ao que me dizem, esta história da avaliação pelo SIADAP está a provocar um sério caos...)

 (1) Considero a distinção entre Muito Bom e Excelente uma coisa ridícula. Daí que o texto passe apenas a falar de Muito Bom.