Ucrânia, país “descomunizado”
Volodymyr Viatrovitch, ucraniano, historiador, activista, deputado de centro-direita do partido do antigo Presidente Petro Protchenko, mantém-se em Kiev integrado numa brigada de defesa civil. Entrevistado por Luís Peixoto, enviado da Antena 1 à Ucrânia, explicou que teve papel importante em algo que é para nós um curioso neologismo — “descomunização”. A “descomunização” da Ucrânia teve início em 1991, na parte ocidental do país, logo após a dissolução da União Soviética, com a eliminação de monumentos e toponímia comunistas. Depois do Euromaiden (à letra, “Europraça”), série de violentas manifestações de protesto que deram origem à Revolução Ucraniana de 2014, também chamada Revolução da Dignidade, contra o governo pró-russo de Viktor Yanukovytch, a “descomunização” foi intensificada. O Partido Comunista e símbolos comunistas foram então proibidos.
Viatrovitch argumenta que os comunistas foram a força motriz do regime de ocupação da Ucrânia há 100 anos, quando os bolcheviques conquistaram a República Popular da Ucrânia. O Partido Comunista sempre foi uma ferramenta da política imperialista russa na URSS e após a independência da Ucrânia em 1991. Ou seja, os comunistas eram a chamada quinta-coluna que não reconheceu a Ucrânia independente e trabalhou para a Federação Russa. Foi por isso que, após os acontecimentos de 2014, o Partido Comunista, um dos partidos mais pró-russos na Ucrânia, perdeu totalmente o apoio da sociedade ucraniana. Mas, mesmo antes da lei da “descomunização”, promulgada em 2015, o Partido Comunista já tinha perdido eleições. O processo de “descomunização” não foi algo artificial ou iniciado por alguém, tão-só reflectiu o sentimento e a vontade da sociedade ucraniana de recusar o passado comunista soviético.
A “descomunização” foi fácil e pacífica. Milhares de cidades e vilas ucranianas livraram-se dos nomes de chefes comunistas e substituíram-nos por toponímia evocativa da história e da cultura ucranianas. Mudaram-se os nomes de 52 mil ruas e praças e desmantelaram-se mais de 2500 estátuas e outros monumentos a personalidades comunistas, e não houve protestos ou acções de desobediência pública. Dignificaram-se então alguns nomes não muito aceitáveis para as democracias ocidentais, como o do histórico nacionalista nazi Stepan Bandera.
Agora, diz Viatrovitch, durante esta guerra com a Rússia, pode-se ver quão profunda foi a “descomunização”. Os soldados russos que chegam ao território ucraniano percebem que estão a entrar num país bem diferente: não há mais Ruas Lenine e monumentos a Lenine ou a Stalin, ao contrário do que acontece na Rússia. Ao usarem os seus mapas militares, seguindo a antiga toponímia comunista, vêem-se perdidos, ironiza o historiador.
A Revolução de 2014 foi uma forma de a Ucrânia cortar com o passado soviético, avançar para a Europa e defender os valores europeus, crê Volodymyr Viatrovitch.
Francisco Martins da Silva