Artigo:Trump e os impostos

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Trump e os impostos

Segundo uma investigação do jornal New York Times, o Presidente norte-americano, Donald Trump, pagou apenas 750 dólares de imposto sobre o rendimento em 2016-2017. Não pagou também nenhum valor em 10 dos 15 anos anteriores a 2016, porque declarou mais perdas do que ganhos, um expediente frequentemente utilizado para fugir ao fisco. Trump continua, entretanto, a recusar a divulgação da sua declaração de rendimentos. Prometeu, porém, revelá-la, embora sem data marcada.

Se a declaração relativa às perdas e aos ganhos é verdadeira, a imagem de Trump como empresário de sucesso, um dos trunfos da sua campanha eleitoral que lhe valeu a presidência, é desmentida. Mas o que está verdadeiramente em jogo não é esta imagem, mas uma situação em que o não pagar impostos sobre o rendimento ou pagar cada vez menos da parte dos estratos sociais mais ricos tem sido legitimada. A reforma fiscal do atual Presidente norte americano é a prova disso. Poderemos destacar as seguintes medidas:

- redução de 35% para 20% dos impostos sobre as empresas;

- redução de 39,7% para 37% do escalão mais alto do imposto sobre o rendimento das pessoas singulares;

- as heranças inferiores a 20 milhões de dólares deixam de ser tributadas;

- as empresas nada pagam por repatriar os lucros.

O caso de Trump não pode ser visto como um fenómeno isolado, mas deve necessariamente ser integrado num contexto de um forte ataque à progressividade fiscal e tributária que se traduz na defesa de uma flat tax, um imposto único sobre o rendimento, da parte dos neoliberais e da extrema-direita direita em ascensão. Em Portugal, a Iniciativa Liberal e o Chega são seus apologistas. É necessário, porém, ter em conta que aquele ataque tem as suas raízes na chamada ‘revolução conservadora’ da década de 80 do século passado, embora os seus dois principais ideólogos, Milton Friedman e Friedrich Hayek, ambos prémios Nobel da Economia, tenham desenvolvido a sua argumentação contra os impostos progressivos sobre o rendimento na década de 60. Para ambos, o sistema de tributação progressiva tem como único resultado gerar receitas muito medíocres nos escalões mais elevados do imposto sobre o rendimento em comparação com a receita total, pois, como defende Friedman em “Capitalismo e liberdade (1962), existem nos EUA inúmeras formas de tornear legalmente o pagamento de impostos nestes escalões, pelo que a solução consistiria não na eliminação das escapatórias fiscais, mas em reduzir substancialmente a tributação sobre os mais ricos num sistema baseado numa flat tax de 23,5%. Por sua vez, Hayek defende que a tributação progressiva tem como “único grande resultado económico a limitação severa dos rendimentos que poderiam ser obtidos pelos mais bem-sucedidos, gratificando assim a inveja dos mais pobres” (Hayek, Friedrich – “A constituição da liberdade”, Lisboa, Edições 70, 2018, p. 367).

Moral: é preciso tornar-se rico para deixar de pagar impostos.

Joaquim Jorge Veiguinha