Travar a China?
Pela primeira vez, desde o massacre de Tiananmen, há mais de trinta anos, a UE votou sanções contra a China. A seguir a Tiananmen, houve o embargo à venda de armas, que se mantém. Agora, a Europa decretou novas sanções, estas concertadas com os Estados Unidos, o Reino Unido e o Canadá, contra quatro altos funcionários chineses, acusados de violarem os Direitos Humanos na província de Xinjiang. Ao mesmo tempo, os chefes da política externa da UE e dos EUA, Josep Borrell e Antony Blinken, encontraram-se para reavivar o “diálogo sobre a China”, e Joe Biden participou por videoconferência na reunião do Conselho Europeu, num sinal de que se estará a criar uma resposta conjunta à ascensão da China — a frente unida das democracias contra as autocracias, neste caso contra a China. Já em 2019 a UE tinha divulgado um documento estratégico em que denunciava a China como rival sistémico que promove sistemas alternativos de governação, ou seja, um Estado que não respeita os Direitos Humanos. Mas a China não se deixou intimidar e respondeu às sanções em mais do dobro: sancionou não quatro, mas dez europeus, eurodeputados e investigadores, aos quais juntou nove britânicos. Esta reacção chinesa não foi só numericamente inequívoca: ao incluir académicos no grupo sancionado, além de políticos e economistas, leva a retaliação para um patamar humilhante.
Mas, não por acaso, a China não incluiu homens de negócios nas sanções. No plano económico, convém recordar que os dados deste ano indicam que a UE passou a ser o maior parceiro comercial da China, por causa da crise pandémica e por a China ter substituído os EUA como maior parceiro comercial da UE.
Os controlos mais apertados impostos em Hong Kong e Macau, apesar dos acordos que mantém a autonomia dos territórios por 50 anos, obrigam agora os jornalistas, mesmos os estrangeiros, a serem “patrióticos” nas opiniões que publicam. São sinais de que a China não cede, sente-se forte e impõe a sua vontade mesmo contra acordos assinados. Xi Jinping, no recente congresso anual do PC chinês, disse que hoje a China pode olhar olhos nos olhos as outras potências, e não admite qualquer espécie de ingerência externa nos seus assuntos.
No Conselho Europeu, Joe Biden afirmou que serão as democracias e não as autocracias a estabelecer as regras… mas será que a China quer impor ao Ocidente o seu regime e modelo de sociedade? A UE e os EUA fazem declarações e tomam posições muito peremptórias no que diz respeito aos Direitos Humanos contra a China, mas nunca vimos nenhum documento oficial chinês a apontar a repressão policial ou os dois milhões de presos ou o racismo nos EUA.
O Ocidente conseguiu impor os valores da democracia e dos Direitos Humanos no final da Guerra Fria. Mas agora é mais difícil fazer o mesmo em relação à China. A China não dá o mínimo sinal de querer fazer mudanças, tem uma força económica que a URSS não tinha e está mais ligada ao Ocidente do ponto de vista económico do que a URSS alguma vez esteve.
Convém recordar alguns dados chineses do ponto de vista económico que nos dizem que será muito difícil travar a China: Hong Kong, apesar da repressão política, continua financeiramente fulgurante; muitas empresas chinesas entraram na bolsa de Hong Kong; a Morgan Stanley e a Goldman Sachs estão muito activas em Hong Kong, onde, no ano passado, atingiram o recorde de onze biliões de dólares em pagamentos; na China continental, apesar de todas as polémicas humanitárias e políticas, accionistas de empresas como a Zeeman, Apple ou Starbucks estão satisfeitíssimos com os negócios; houve largos investimentos estrangeiros na China em 2020; os mercados de capitais chineses começam a abrir-se ao estrangeiro; um quinto das exportações globais de bens industriais são chinesas…
A China não tem tribunais independentes nem liberdade de expressão, mas oferece certezas nos contractos. É um país muito apetecível para os negócios. Há cerca de um milhão de negócios na China financiados por estrangeiros e também quarenta mil empresas chinesas pelo mundo. Muitos sectores económicos no Ocidente dependem da China, por exemplo a indústria automóvel alemã, o sector tecnológico norte-americano, os bens de luxo em França ou o sector mineiro na Austrália… Como se trava um país destes? Pois, não se trava. Mas a questão já não é se seria possível, mas se seria útil travar a China.
Também não é possível isolar a China, como se fez com a URSS. Os preços dos produtos para os consumidores ocidentais num cenário desses iriam subir, e se os países fossem forçados a tomar partido entre EUA e a China, muitos optariam pela China, pois a China é neste momento o principal parceiro comercial de 64 países e os EUA apenas de 38. Portanto, isolar a China também não é caminho possível.
Acresce que, no encontro entre a China e a Rússia, em Março, na cidade chinesa de Guilin, depois das sanções dos EUA e da UE, preconizou-se um multilateralismo aberto e não-ideológico. Segundo a declaração conjunta entre Wang Yi e Sergei Lavrov, não há a intenção mútua de impor valores. A verdade é que a China e a Rússia são aliados informais e esta aliança está cada vez mais forte. São parceiros em várias organizações internacionais, estão cada vez mais alinhados no Conselho de Segurança das Nações Unidas, num casamento de interesses para fazer frente ao Ocidente.
Francisco Martins da Silva