Artigo:“Tempos interessantes (1)”

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“Tempos interessantes (1)”

No Público de sábado, 6 de março, José Pacheco Pereira, historiador, na sua crónica afirma “há um pseudoprovérbio chinês que é uma maldição e que deseja ao outro: “Que vivas em tempos interessantes.” Não é chinês, mas a maldição é verdadeira. Estamos a viver tempos interessantes e não são bons.

Estando na ordem do dia a discussão sobre o tema da invasão da Ucrânia não é de estranhar a minha escolha de notícia, uma vez que se pode tornar um ponto de partida sobre uma reflexão mais aprofundada.

- Segundo Pacheco Pereira “Aos olhos da história, que provavelmente não tem olhos, há duas teses dominantes, que parecem ter sido escritas, cada uma delas, por um filósofo grego. Do lado de Heráclito de Éfeso, tudo está sempre a mudar, e nada se repete; do lado de Parménides de Eleia, nada verdadeiramente muda e nada se move.”

“Podemos interpretar a guerra actual dos dois modos, mas os resultados não são muito diferentes — há sinais que já vinham de antes e há surpresa, na fábrica da história. A incerteza, a surpresa, a dificuldade de dizer onde tudo isto vai parar, se é que pára, são dominantes.”

Pacheco Pereira refere “O impacto da brutalidade da invasão criou um movimento que mudará os termos da política europeia, mas nem todos perceberam.”

O encurralamento do PCP tem muito que ver com a sua dificuldade em aceitar que a história de que o partido considera fazer parte já não existe, mudou, e muito. A Rússia de Putin não é a URSS. É um país de capitalismo corrupto e agressivo, e um país imperialista. O seu Governo é autocrático e a elite à volta de Putin não tem a mínima consideração pelo povo russo que explora nos seus recursos nacionais, e cujo sofrimento lhe é irrelevante.”

- “A posição do PCP decorre de considerar que sem a Rússia não há travão ao imperialismo americano.”É uma posição mecânica que deriva de uma análise rudimentar, essencialmente geopolítica e que pouco tem que ver com a realidade. E uma análise geopolítica, não é uma análise marxista…

Sim, há imperialismo em muitos aspectos da política externa americana, no sentido de conduzir uma política externa subordinada aos interesses económicos americanos, sendo os EUA a maior potência militar do mundo” Mas muito desse imperialismo mudou e está muito enfraquecido. Trump abriu uma nova era de isolacionismo, aliou-se com Putin, quebrou laços com a NATO e orientou a sua política contra a China, deixando a Rússia fazer o que queria.”

“Biden é o exacto oposto, é um atlantista que quer reatar as relações com a Europa e fortalecer a NATO, e, formado na Guerra Fria, vê a Rússia como um inimigo sério”

E, como em tempo de guerra não se limpam armas, eu percebo muito bem que os países europeus, que de há muito deveriam ter mantido uma maior autonomia defensiva para modelarem a política americana na Europa, compreendam que, sem a NATO, estariam completamente indefesos face ao imperialismo russo, que está à porta. Putin conseguiu aquilo que ninguém pensava possível há uns meses — pôr, da Suécia à Suíça, todos numa aliança contra a invasão da Ucrânia. Todas as consequências que Putin não desejava vão-se realizar.”

E José Pacheco Pereira continua: “Depois, há a Ucrânia. Convém não ter muitas ilusões que esteja em causa um combate entre a democracia e a autocracia. Se fosse assim, já estaríamos em guerra com a Arábia Saudita. A Ucrânia está longe de ser uma democracia perfeita, com uma vida política turbulenta, uma extrema-direita nazi e corrupção endémica, de uma ponta à outra da governação. Sim, a extrema-direita ucraniana é nazi, do mesmo tipo, aliás, da extrema-direita russa, cuja agressividade nacionalista não as diferencia.”

E conclui o autor desta crónica:

”Pode ser, com todas as reservas do “se”, que a participação popular na defesa do seu país venha a dar origem a uma Ucrânia mais democrática. Seja como for, não é com uma ocupação a ferro e fogo, como será inevitavelmente uma ocupação russa da Ucrânia, que os ucranianos deixam de desejar liberdade, a liberdade de serem donos do seu país. O pior para os ucranianos ainda está para vir, mas também o pior para os russos ainda está para vir.”

 Esta análise pode aclarar uma reflexão mais longa sobre o assunto do momento, a Ucrânia, a Europa, os EUA, a Rússia e as suas posições. Como já ouvi algures dizer, seria bom pensarmos nisto!!

Ana Cristina Gouveia