Artigo:Sopa na Arte

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Sopa na Arte

A cultura é o quadro mental colectivo dos usos e costumes condicionados tanto por crenças e tradições como pelo acervo histórico, antropológico, científico. A Arte apenas interpreta a cultura (não, a Arte não é a cultura). A Arte não tem culpa nenhuma da cultura que exprime.

A Arte não tem culpa nenhuma das alterações climáticas. A cultura, sim.

A redução da obra de arte aos milhões especulados pelas leiloeiras é o pressuposto ignorante e populista das pedantices de grupos como o Just Stop Oil. Acresce a inutilidade destas pedantices: atirar sopa ao revestimento de protecção de uma pintura famosa não faz diminuir o aquecimento global. O que poderá provocar a diminuição do aquecimento global é mudar a cultura: por exemplo, contrariar a tradição do transporte individual, dando prioridade ao transporte público baseado em tecnologias limpas e torná-lo praticável por todos ou transformar os métodos tradicionais da construção civil, incentivando a eficiência energética nos edifícios.

Protagonizar um despautério no meio de um grande museu, em nome do clima ou do meio ambiente, não mobiliza nem faz mudar comportamentos.

A crença de que o mediatismo é milagroso e quanto maior o disparate maior o mediatismo, gerou a convicção bizarra de que o uso de alimentos como arma de arremesso contra obras de arte em nome de problemas nada artísticos resolve esses problemas. A única coisa que resolve é o saldo financeiro de quem dá destaque a essas asnices. Não diz é grande coisa desses jornais e televisões.

As manifestações de desvario iconoclasta em museus têm longo historial anedótico. Até agora, tinham sido praticadas por lunáticos foragidos de hospícios. As razões por que, por exemplo, a Ronda da Noite de Rembrandt foi esfaqueada por duas vezes, em 1911 e 1975, e borrifada com ácido em 1990, ficaram sempre por apurar, como é natural. Ficou-se apenas com a ideia de que estes loucos percebiam a relação estreita entre mutilação de obras de arte e alinhamento noticioso. Ora, a percepção deste critério de primeira página é também a base da estratégia activista dos atentados de hoje em museus. A diferença é que, em vez de reconduzidos ao manicómio, os desatinados são agora levados ao tribunal mais próximo, com grande alarido esquizoide de aplauso e indignação inconsequente.

«Infelizmente, é quase preciso chocar a sociedade para ela prestar atenção», declarava recentemente ao jornal Público a bióloga-activista Margarida Henrique, pertencente ao grupo internacional Scientist Rebellion.

Por enquanto, parece que lhes basta “quase” chocar. Em breve, com a banalização dos protestos “quase chocantes”, o activismo climático sentirá necessidade de passar a acções “mesmo chocantes”, entrando numa espiral mirabolante de violência caricata, sempre à procura de sobressair no espumoso caudal mediático diário. A que ponto chegará o desconchavo gritante?

Indiferente a tudo isto, o clima continuará a aquecer.

 

Francisco Martins da Silva