Artigo:Só passa quem souber?

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Só passa quem souber?

Não, há muito que não é assim. O saber já pouco importa e todos passam. Agora, quem sabe é o telemóvel, é lá que está o saber. A escola é o que a sociedade quiser, e hoje tem-se da escola uma noção utilitária, serviçal — lugar seguro para largar os filhos e notas positivas. O Ministério da Educação acorre com o sistema de avaliação docente e a papelada sinuosa que impõe às escolas, a somar à que as escolas se impõem, para que os professores se sintam coagidos a passar de ano todos os alunos. No meio disto, há as ”Necessidades Educativas Especiais”, que demasiados têm, pois se não estudam e não querem saber de compromisso, responsabilidade ou disciplina… mas alguns são mesmo rotulados com a sigla NEE — nés, em escolês apressado.

A ver se a gente se entende: os professores são só professores. Não são psicólogos nem pedopsiquiatras nem pediatras nem enfermeiros nem terapeutas da fala nem terapeutas ocupacionais nem assistentes sociais nem outra coisa qualquer. Não, os professores só têm formação para leccionar a alunos “regulares”. Além disto, há apenas improviso, boa-vontade e risco.

Os alunos com NEE, mais de 78.000, segundo a plataforma METIS, são recusados pelos colégios privados porque estragam o ranking, mas as escolas públicas são obrigadas a “incluí-los”. Estes alunos necessitam de professores de todas as disciplinas especializados nos variadíssimos problemas que os afectam. Ora, não havendo professores destes, os governos, em vez de despender verbas necessárias à sua formação e contratação, e à criação de turmas específicas, preferem confundir escola inclusiva com sala de aula inclusiva. E não, não é suficiente, apesar de muito esforçado, o apoio ocasional de dois ou três professores por agrupamento de escolas, a saltitar entre turmas, apetrechados com um conhecimento sumário de problemas cognitivos e motores, obtido numa pós-graduação em Educação Especial.

Assim sendo, os conselhos de turma defendem-se, adivinhando adaptações curriculares, em grelha de cruzes, qual totobola, e passando sempre os nés. Tudo muito justificado por relatórios, formulários e actas, e polvilhado com termos como dislexia, disortografia, disgrafia, discalculia, hiperactividade, asperger, autismo e et cetera. Estes alunos saem da escolaridade obrigatória mais ou menos como entram. Mas, não havendo verdadeira resposta para eles, passam sempre. E se estes passam, também não se corre o risco de chumbar os tradicionais cábulas, os nés da preguiça e da falta de atenção. E quando a maré é tão baixa, a mínima ondulação é digna de nota alta, e assim temos a preventiva inflação na avaliação da turma-A-dos-que-querem-ir-para-medicina, não vá o recurso tecê-las.

Só chumba quem rejeita o sistema, os recordistas dos processos disciplinares, os faltistas crónicos, recorrentemente resgatados pela polícia ou pela CPCJ e recambiados para a escola, onde apenas boicotam as aulas, insultam e agridem os professores, os funcionários e os outros alunos. São estes que chumbam. Mas, mesmo estes, dois chumbos seguidos e também são chutados para a frente — pois que sentido faz continuarem a estragar turmas etariamente cada vez mais distantes?

Mesmo não sabendo como, todos vão passando. Para onde passam depois de acabada a escola é que é a questão. Mas isso, nem o telemóvel sabe.

Francisco Martins da Silva