Artigo:São precisas medidas estruturais

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Entrevista a José F. Costa

São precisas medidas estruturais

Lígia Calapez e Sofia Vilarigues | Jornalistas

No início deste ano escolar, entrevistámos José Feliciano Costa, presidente do SPGL. Nas respostas às perguntas apresentadas, faz uma síntese das principais questões que se colocam aos professores e salienta a necessidade do seu envolvimento e luta.

Estamos no início do ano escolar, quais as questões que queres destacar?

Destacava a falta de professores e as medidas que o Governo tem vindo a tomar que, a nosso ver, não resolveram o problema. 

Nós também percebemos que as coisas não se resolvem de um dia para o outro. São precisas medidas estruturais. E estas são conjunturais. Mas, mesmo assim, podiam ir mais longe. Para além de que criam desigualdades. Refiro-me, por exemplo, ao subsídio de deslocação.

Isso leva-nos à questão central, que é o problema da falta de professores. Um problema que se vem arrastando, e para o qual há anos nós vimos a alertar. Que está muito ligado à desvalorização da carreira. Para já, estas medidas parecem-nos muito insuficientes. O Ministro diz que faltam as medidas estruturais. Nós, em outubro, vamos ter o início do processo da revisão do Estatuto de Carreira Docente. 

Que outras questões se colocam nas escolas?

Há alguns problemas que se vão arrastando ao longo de anos. A falta de assistentes operacionais, a falta de técnicos, de psicólogos, que permitam uma melhor inclusão dos jovens, nomeadamente dos imigrantes. As escolas continuam a ter edifícios degradados. E algumas abandonaram projetos digitais por falta de condições.

Divulgámos recentemente um inquérito que tem uma expressão significativa. Dos 800 e tal agrupamentos de escolas, por todo o país, conseguimos 405 ou 406 respostas. Perto de metade dos diretores disseram que existia falta de assistentes operacionais nessas escolas. Acresce que não lhes é dada a formação necessária. Há também falta de animadores socioculturais, psicólogos, etc. O número de alunos por turma tem aumentado, tal como o de alunos imigrantes.

Há ainda um défice de docentes do Português Língua Não Materna. Ao que se associa a falta de formação dos próprios professores. Nesse sentido, temos propostas. E uma delas é criar um grupo de recrutamento de Português Língua Não Materna.

Os problemas sentidos em Portugal têm também uma dimensão internacional. Quais as propostas da ONU e outras organizações internacionais?

A ONU fala em três tópicos. Primeiro, a importância da valorização da carreira. Depois, a importância de envolver as estruturas sindicais nesta discussão, na resolução destes problemas. E, ainda, a questão central, que é o financiamento da educação. Tanto a ONU, como a UNESCO, como a Internacional de Educação consideram, claramente, que os Estados deverão disponibilizar 6% do PIB para a Educação.

O processo negocial da revisão do ECD vai iniciar-se agora. Quais os principais aspetos que estão em causa?

Antes do mais, estamos a chamar a atenção dos professores para se envolverem neste debate, pois este é um documento estruturante para a vida dos professores.

Destaco a estrutura da carreira, os horários de trabalho e a questão da aposentação. 

De cada um destes três tópicos, começaria por abordar a estrutura da carreira. Uma menor duração entre a base e o topo, comprimindo o tempo de duração. Uma avaliação sem cotas e sem a burocratização que tem. Entendemos que o processo de avaliação deve ser formativo e não punitivo. Neste momento temos uma avaliação punitiva, uma avaliação feita para ir travando os professores e para ir impedindo a progressão na carreira.

Outra questão, ainda na estrutura da carreira, é recuperar o tempo de serviço perdido em transições de carreiras. Nas ilhas isso já começou a ser feito.

Depois, os horários de trabalho. E essa, é para nós, uma questão central. Cumprir a legalidade dos horários de trabalho. Temos um estudo que diz que os professores trabalham, em média, mais de 54, 55 horas semanais. Há a componente letiva, que é fixa. Mas, depois, há tudo o resto. A componente não letiva de estabelecimento, a componente de trabalho individual (que não pode ser controlado). Para o tempo que se passa nas escolas tem que haver orientações claras.

A aposentação é também uma das questões centrais. Nós defendemos um regime específico de aposentação para os professores. Nomeadamente com os 36 anos de serviço, admitindo começar de imediato com 40 anos e depois ir baixando. E a possibilidade da aposentação antecipada sem penalização. E, ainda, a possibilidade da pré-reforma, que já foi considerada, nos termos da lei, mas que não está a ser aplicada aos professores. 

O que se anuncia já com a revisão do modelo de gestão?

A ideia que nós temos, e fomos ouvindo até da boca do Sr. Ministro, é que há uma proposta para um estatuto de diretor, que é criar uma carreira específica de diretor. No nosso entender, isso abriria a porta para que os diretores das escolas deixassem de ser professores e passassem a ser, enfim, gestores.

Em relação à gestão, nós entendemos que esta deve ser um processo democrático. Que o órgão de gestão deve ser um órgão colegial eleito por toda a comunidade educativa. Que as estruturas intermédias deverão ser eleitas pelos professores. E que o conselho pedagógico, o coração da escola, onde se tomam as decisões referentes à pedagogia, possa voltar a ser um órgão de decisão e não um órgão de consulta, como agora é.

Ainda em relação à gestão, aproveitámos os plenários que, entretanto, decorreram, para lançar um inquérito sobre a gestão democrática. A ideia é ouvir a opinião dos professores e, quando for das negociações, ter o respaldo de milhares de inquéritos.

Digitalização na Educação – situação atual. O debate em torno dos prós e contras. Queres comentar?

Claro que vivemos na era das novas tecnologias e das oportunidades que estas nos oferecem. Nos últimos anos cada vez mais investigadores se debruçam sobre o impacto da digitalização nas práticas de leitura, das vantagens e desvantagens, e da importância de refletir sobre as reais implicações destes dispositivos tecnológicos. 

Tenho a ideia que começa a ser cada vez mais consensual o uso da moderação, no sentido de fazer o melhor uso do digital, mas sem perder os benefícios do tradicional. Aconselho a leitura de um documento, muito interessante, que resulta das principais conclusões de quatro anos de investigação e de discussão sobre este assunto, a Declaração de Stavanger.

Texto originalmente publicado no Escola/Informação n.º 309 | setembro/outubro 2024