Artigo:Recuperação do tempo de serviço

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Recuperação do tempo de serviço

Paula Rodrigues | Dirigente SPGL

Entre 30 de agosto de 2005 e 31 de dezembro de 2007 e entre 1 de janeiro de 2011 e 31 de dezembro de 2017, os professores portugueses viram congelado o seu tempo de serviço, num total de 3411 dias. Este facto, assim como as perdas provocadas pelas alterações na estrutura da carreira, teve um impacto imediato no seu salário, na sua carreira e na aposentação, com repercussões profundíssimas na vida das suas famílias e das escolas, geradas pelos sentimentos de desmotivação, injustiça e desrespeito.

A luta pela recuperação na íntegra desse tempo nunca teve interregnos. Com abaixo-assinados, postais, reuniões, plenários, concentrações e manifestações, através dos meios convencionais ou digitais, os sindicatos da FENPROF e os professores nunca abandonaram, nem abandonarão, a luta pela recuperação na íntegra desse tempo.

Com o Decreto-Lei n.º 36/2019, de 15 de março ou o Decreto-Lei n.º 65/2019, de 20 de maio, foram recuperados 2 anos, 9 meses e 18 dias (1018 dias), mas foram excluídos 6 anos, 6 meses e 23 dias, ou seja, 2393 dias.

Este facto, acrescido à falta de estabilidade na carreira, de recursos materiais e humanos e aos problemas inerentes a horários e condições de trabalho, provocou um sentimento de revolta cada vez mais intenso em toda a classe, que está longe de ter sido atenuado.

Para dar resposta a promessa eleitoral, o governo de Luís Montenegro promulgou o Decreto-Lei n.º 48-B/2024, de 25 de julho, que prevê a recuperação faseada dos 6 anos, 6 meses e 23 dias, em 4 tranches: 599 dias (1 de setembro de 2024; 598 dias (1 de julho de 2025); 598 dias (1 de julho de 2026); e 598 dias (1 de julho de 2027).

A medida, anunciada em grandes parangonas nos meios de comunicação sociais, afirmava que os professores abrangidos iriam receber a primeira tranche logo a 1 de setembro. A 31 de julho, uma nota do Instituto de Gestão Financeira da Educação (IGeFE) chegou às escolas a pedir-lhes que comunicassem os dados dos professores abrangidos, entre o dia 5 e o dia 13 de agosto, para serem validados posteriormente por todos os professores, recorrendo a novos procedimentos, uma vez que a informação transmitida ao IGeFE deixou de ser extraída do SIGRHE, na maior parte dos casos, para passar a ser fornecida pelo INOVAR, criando novos constrangimentos às escolas. Esta alteração não é compreensível, sobretudo num período de grande volume de trabalho nas escolas, uma vez que já existia a plataforma do Sistema Interativo de Gestão de Recursos Humanos da Educação (SIGRHE), que, segundo o próprio “… visa fornecer às Escolas um instrumento que permita a gestão integrada dos seus recursos humanos e aos Docentes e Não Docentes disponibilizar as ferramentas necessárias à gestão da sua situação profissional.”. Essa ferramenta permite a sua atualização “… através da criação de módulos, procurando-se que abranja a totalidade das ações associadas à gestão do Pessoal Docente e do Pessoal não Docente.”.

Ora todos estes procedimentos foram anunciados e deveriam ter sido realizados durante o período permitido para usufruto do direito a férias dos docentes, incluindo as direções, e dos assistentes técnicos.

Desde então, este é mais um foco de enorme destabilização dos professores e da vida das escolas. O facto de ter sido criada um procedimento novo, neste caso do IGeFE, correspondeu a uma sobrecarga de trabalho para as direções e assistentes técnicos, em número claramente insuficiente, num período claramente desajustado: férias, início de ano letivo, elaboração de horários, falta de professores, alteração na tabela de IRS, concursos de professores…

Para o preenchimento na plataforma do IGeFE, os dados têm de migrar de outras plataformas, nomeadamente do SIGRHE (até então) e do INOVAR e, frequentemente, essa transição aparece com erros. Neste momento, a informação é transmitida por ambas as plataformas. Casos há em que o docente verifica os dados nas plataformas de base, com os diretores ou os serviços administrativos, e a informação aparece errada no IGeFE.

Se o docente solicita esclarecimentos no SIGRHE, no E72, informando que nem o próprio nem o agrupamento consegue descobrir a falha, recebe como resposta “… recomenda-se que estabeleça contacto com o Instituto de Gestão Financeira da Educação, IP, e/ou com o Agrupamento de Escolas/Escola não Agrupada responsável. Esclarece-se que à Direção-Geral da Administração Escolar compete, no âmbito dos estabelecimentos públicos de educação, coordenar e acompanhar a gestão da carreira docente e esclarecer dúvidas neste âmbito.”.

Quando entra em contacto com o IGeFE, nem obté resposta.

A situação fica muito mais complicada, no caso de docentes que mudaram de escola, uma vez que a atualização dos dados depende de dois agrupamentos e da permissão ao acesso às várias plataformas.

Na realidade, passados quatro meses, milhares de docentes (a maior parte dos que conheço) tem os dados omissos, incompletos ou errados no IGeFE, o que atrasa as progressões na carreira e todos os procedimentos necessários para as próximas transições, algumas a acorrer num curto intervalo de tempo, como a avaliação externa, a formação…

A falta de recursos humanos e de um esclarecimento completo, eficaz e atempado junto das direções e serviços administrativos contribui para o aumento do caos nas escolas, que retificam os dados inúmeras vezes, em debalde. O problema torna-se mais grave devido ao facto de ser necessário analisar caso a caso e obriga cada docente a acompanhar cuidadosamente a sua situação para não ficar prejudicado, reportando-a.

Os docentes têm recebido “emails” a solicitar que confirmem os dados no IGeFE e alguns validam-nos porque assumem que foram introduzidos corretamente. Mesmo quando se procura invalidar os dados, frequentemente a ferramenta não o permite. Por exemplo, após terem sido introduzidos três motivos, a mensagem recebida é “Não é possível rejeitar, sem identificar um motivo.”.

É completamente inadmissível que a justa recuperação do tempo de serviço congelado se arraste e seja feita de forma tão amadora e desgastante para todos. Se já existiam plataformas que geriam os concursos e a carreira docente, como é o SIGRHE, por que razão não se manteve apenas esta plataforma e se passou a utilizar o INOVAR pessoal? Por que razão as direções e serviços administrativos são obrigados a procedimentos desnecessários quando os recursos humanos e o tempo são poucos e os dados já foram introduzidos em outras plataformas? Porque é que razão não há uma aplicação, um manual suficientemente completo e de fácil consulta, para orientar todo o processo?

As dúvidas dos docentes são muitas, o que os tem levado a procurar ajuda junto dos dirigentes e dos serviços de Apoio ao Sócio, que têm prestado todos os esclarecimentos, mas que verificam que os processos não avançam por embaterem num gigantesco muro criado pelo próprio Ministério da Educação Ciência e Inovação.

Será desconhecimento, falta de profissionalismo ou precipitação na adoção de procedimentos ou uma nova estratégia para impedir os professores de progredirem na carreira?

Dados rigorosos e atualizados sobre as progressões na carreira exigem-se, assim como recursos humanos, materiais e técnicos suficientes para que não se penalize novamente os docentes e para que o processo de recuperação seja rápido e eficiente.

Versão resumida publicada no «Escola/Informação Digital» n.º 44 | novembro/dezembro 2024