Com a força de polemista que se lhe reconhece, Santana Castilho publicou no seu habitual espaço no jornal Público (em 20 de Janeiro) um artigo que intitulou “Os desacordos do acordo”. Porque me parece que o brilhantismo da escrita não coincide com o rigor da análise aqui deixo as minhas críticas: 1. Escreve SC que “quem ignore os antecedentes do conflito entre os professores e o Governo conclui que as razões da discórdia se circunscreviam a carreira e salários.” É verdade que boa parte do acordo se refere a uma nova estrutura de carreira e aos correspondentes índices (e não a salários). Porquê uma nova estrutura da carreira? Exactamente porque nas suas lutas contra o Governo, os professores exigiram – e com que força – o fim da divisão entre professores e titulares. Acabar com essa divisão – questão central para os professores, a menos que a alteração fosse apenas de nomes, implicava uma nova estrutura da carreira. Nova e difícil porque as situações de facto criadas com a divisão da carreira tinham de ser pensadas e acauteladas, tendo por base o princípio que nenhum professor seria prejudicado nas negociações. E, contrariamente ao que S. C. sugere, esta foi uma luta pela dignificação dos professores, pelo que este acordo é um passo importante nesse caminho (embora seja apenas isso: um primeiro passo). 2. Além desta questão essencial, SC avança com duas informações que eu designaria de “pelo menos estranhas”. Afirma que ao aceitarem a prova de ingresso na profissão, “os sindicatos subscreveram o atestado de menoridade às instituições de ensino superior”. O que acontece é que as declarações que conhecemos sobre a matéria vindas de instituições do ensino superior são de defesa desta medida! Creio que é a primeira vez que leio um responsável do ensino superior a manifestar-se contra a “prova de ingresso”! Quem passou – e continua a passar – a si próprias um atestado de menoridade são as instituições de ensino superior que não reagiram e mesmo apoiaram à decisão de M. .Lurdes Rodrigues. Os sindicatos preocuparam-se – e bem – com os professores, isto é, com os que estão a dar aulas. Para esses, não há prova de ingresso nenhuma. As instituições de ensino superior não se preocuparam mesmo nada com os seus alunos – essa é que é a verdade. Mas, como já em outros textos escrevi, o que é imprescindível é que essas instituições (e todos nós) reflictam muito bem sobre que formação inicial de docentes estão a fazer. Todos nós e certamente também Santana Castilho estamos seriamente preocupados com a fraca qualidade dos novos docentes. Enorme falta de rigor – para ser comedido nas palavras – é o que SC revela no início do seu texto ao escrever – “o acordo a que o Governo chegou com alguns sindicatos (…)”. É verdade que o acordo foi com alguns sindicatos. Só que esses sindicatos representam mais de 95% dos professores. Os sindicatos que não assinaram estão, no que respeita á sua representatividade, como o POUS ou o PDA para a Assembleia da República: merecem todo o nosso respeito, mas representam o que representam. 3. Escreve SC que “a progressão (na carreira) é agora claramente mais lenta do que em 2006”. É. Só que o que (ainda) está em vigor não é o estatuto que vigorava em 2006. Esse, convém saber, foi revogado, primeiro pelo 15/2007, que por sua vez foi em parte substituído pelo 270/2009. É com eles que a comparação deve ser feita. E essa comparação revela o que S.C. não quer ver. Agora, mesmo com dificuldades dispensáveis, a esmagadora maioria dos docentes progredirá até ao topo da carreira, o que não aconteceria nunca para cerca de 2/3 na estrutura do 270/2009. Algumas coisas a propósito de uma pretensa avaliação de desempenho docente 1. É certo que o modelo de avaliação do desempenho docente (ADD) que consta do acordo tem demasiadas semelhanças com o “simplex”. Mantém questões absurdas, como são os ciclos avaliativos de dois anos, a distinção entre Muito Bom e Excelente, a classificação de Regular. Introduz uma novidade perigosíssima que, se me não engano, vai dilacerar as escolas: a discriminação da pontuação, até as décimas (ou milésimas?) dos docentes classificados com Bom. Que instrumentos tão credíveis e universais poderão distinguir entre um Bom de 7,5 ou 7,4 ou 7,3, sendo que estas diferenças perfeitamente aleatórias podem determinar a passagem mais cedo ou mais tarde do 4 para o 5º e do 6 para o 7º escalões? 2. Mantém a exigência de assistência a aulas para a atribuição das classificações mais elevadas e alarga-a para a passagem dos escalões “contingentados”. Acho bem. Resta saber com que objectividade e competências vão essas aulas ser observadas/avaliadas… 3. É verdade que a burocracia foi muito reduzida; é verdade que se tentou timidamente “controlar” o arbítrio do “director” através de uma maior intervenção do Conselho Pedagógico e da nova figura do Relator. É verdade que, pelo menos nos princípios, se aposta na formação especializada para estas funções de avaliação… 4. Contudo, continuo a dizer que se o acordo fosse apenas a parte do ADD nunca o assinaria. Pessoalmente considero que o modelo de ADD aí apresentado é mau. 5. Há porém um problema: teremos já nós, professores e educadores, decidido qual o modelo de ADD que melhor garante os nossos direitos e deveres profissionais e o interesse da escola e dos alunos? Ainda estamos muito longe de qualquer consenso. Há quem, legitima e coerentemente, defenda que não deve haver avaliação – e não por comodidade ou “baldanço” – afinal em vários países europeus com sucesso educativo não há avaliação de docentes (pelo menos nos termos em que estamos a falar). Há quem defenda que, para evitar guerras internas, se deveria privilegiar a avaliação externa, como há quem, em nome da avaliação inter-pares rejeite qualquer intervenção externa. Há quem considere que deveria haver muito mais aulas assistidas e quem ache que isso não serve para nada. Enfim, uma variedade de soluções. E para a defesa de qualquer destas posições se invocam reputadas autoridades na matéria. A proposta da Fenprof, inteligentemente elaborada, parecia ser a que melhor conciliaria estas diversas posições. Não conseguiu, porém, ser considerada como “uma hipótese em cima da cima” por parte dos professores e educadores – temo que a maioria, pura e simplesmente a ignore. Deste modo, qualquer que fosse o modelo de avaliação agora avançado, dividiria ao extremo a classe. Se, por um lado, temo pela boa paz nas escolas, por outro espero que os professores demonstrem inequivocamente que este modelo de ADD não serve – espero que não resista à avaliação no final do 1º ciclo avaliativo. E que sejamos chamados a construir qualquer coisa de muito melhor. 6. Contrariamente a S. C. não fazemos sabáticas para ir ás escolas e discutir tudo isto com os docentes. Estamos a fazê-lo quotidianamente, como sempre o fizemos. Ouvimos apreensões, dúvidas, propostas e censuras. Mas cada vez mais se torna claro que a esmagadora maioria dos professores e educadores considera que foi uma boa medida assinar o acordo. 7. Como em todos os grandes processos de luta, os que mais arriscam são os que mais perdem ou menos ganham em caso de vitória. Apenas alguns de nós resistiram e ficaram a “marcar passo” no antigo 7.º escalão para que se conseguisse acabar com a prova de candidatura. Quantas centenas ou milhares de contos – moeda da altura – é que perderam? Alguém os indemnizou quando a prova de candidatura acabou? Na greve de 89, alguém indemnizou os que aguentaram 10,12, 13 dias de greve para que todos – mesmo os fura-greves – ganhassem a contagem do tempo de serviço? Afinal nas batalhas não sucede que os heróis, que tornam possível a vitória das suas tropas acabem mortos? Meu caro Santana Castilho: tenho a certeza que os professores e educadores que mais acerrimamente lutaram neste processo – e conto entre eles os melhores profissionais que conheço – ficaram contentes com os sucessos (ainda que parciais) obtidos. E com os que se vão obter, porque as negociações continuam. E não lamentam ser, em muitos casos, os mais prejudicados. É uma questão de ética e de dever cumprido.