Que papel temos nós, que podemos fazer nas escolas?
Lígia Calapez | Jornalista
O paradigma que estamos a viver é o do ódio, da agressividade. Como é que alteramos este paradigma? Esta uma das questões colocadas no debate que envolveu os professores presentes na conversa que teve lugar em 9 de janeiro, na sede do SPGL, sobre “Em contexto de guerras, os direitos humanos e o acesso à educação”. Com intervenções de Manuela Mendonça, presidente do Conselho Nacional da FENPROF, António Avelãs, dirigente sindical do SPGL e Isabel Camarinha, do CPPC. Intervenções e debate em que se tentou apontar as respostas possíveis, sublinhando que a luta pela paz, e a ideia de que a paz é possível e necessária, é uma coisa que nós não podemos perder. Fazendo cada um a sua parte, travando desenvolvimentos e organizando respostas.
O papel dos professores e dos sindicatos
Os números são avassaladores. “400 milhões de crianças vivem em zonas de conflito ou fogem delas, isto é, cerca de uma em cada 5 crianças em todo o mundo. Entre 2005 e 2022, registaram-se em zonas de conflito mais de 315 000 violações graves dos direitos da criança, e pelo menos 120 000 crianças foram mortas ou mutiladas por guerras em todos os continentes, uma média de quase 20 por dia”. Ao mesmo tempo, “as despesas militares mundiais aumentaram pelo oitavo ano consecutivo em 2022, atingindo um valor estimado de 2240 mil milhões de dólares, o nível mais elevado alguma vez registado pelo Instituto Internacional de Investigação para a Paz de Estocolmo”.
Partindo deste sintético registo, Manuela Mendonça referiu os reflexos de tal realidade para a escola e para as crianças: “Quando uma escola é destruída, seja em Gaza, no Líbano, no Sudão ou na Ucrânia, não se trata apenas de edifícios — trata-se do futuro dessas comunidades e desses países”. E destacou o papel que os professores e os sindicatos têm a desempenhar, reportando-se, em particular, a alguma da reflexão que a Internacional da Educação tem desenvolvido neste âmbito. E, ainda, a alguns dos princípios que enformam a política da IE nesta vertente dos diretos humanos e do acesso à educação em contexto de guerras.
Para concluir, salientou: “Paulo Freire dizia que a educação não muda o mundo, mas muda as pessoas que podem mudar o mundo. Como educadores e sindicalistas, estamos fortemente empenhados em contribuir para essa mudança”.
Desafios de um professor de Filosofia
“Imaginei o que é que eu gostaria hoje de discutir com os meus alunos sobre estas questões da guerra, da ligação entre a guerra e os direitos humanos, entre os direitos humanos e a paz – e tudo isto com o processo educativo”.
É a partir desta premissa que António Avelãs alinhou uma série de questões. Por exemplo: por si só, a educação, a ciência, a cultura, não evitam as guerras; o modo mais pernicioso de justificar e fazer apoiar uma guerra é considerá-la como uma luta entre o bem e o mal; a ideia de que os países devem armar-se para a guerra como condição para a paz é falaciosa; desconfiemos sempre das chamadas "intervenções humanitárias".
António Avelãs sugere ainda algumas “dicas” de como tratar a questão da PAZ no nosso ensino, começando por um princípio fundamental: ”A paz deve ser apresentada como uma ideia orientadora da ação política”.
Nesta mesma linha de pensamento, reforçou, no debate que se seguiu, que “A paz é um dever e é uma possibilidade. A luta pela paz e a ideia de que a paz é possível e necessária, é uma coisa que nós não podemos perder”.
Nós vivemos um tempo de enormes perigos
Isabel Camarinha, do CPPC, referiu, em particular, as consequências das guerras para os direitos humanos. Antes do mais, naturalmente, o próprio direito à vida. Mas, também, pelo seu reflexo no aumento da exploração, das desigualdades, das discriminações.
Como resposta possível a esta realidade, Isabel Camarinha enfatizou a necessidade de “mobilizar, trazer mais gente a este movimento, o movimento da paz, ao movimento dos professores, dos direitos dos trabalhadores”.
Nesse sentido assinalou algumas das ações e iniciativas entretanto realizadas (nomeadamente de solidariedade com a Palestina), sublinhando a vertente do trabalho do CPPC, da educação pela paz, “que tem iniciativas muito diversificadas e realizou várias iniciativas, como exposições, debates, tertúlias, palestras, muitas delas em conjunto com os sindicatos”.
Referiu, por outro lado, várias iniciativas culturais, com destaque para os concertos pela paz (em 2024, realizaram-se 10 concertos pela paz em todo o país).
Entre as iniciativas programadas, destacou o 4º Encontro pela Paz, de que a FENPROF é também promotora.
Texto original publicado no Escola/Informação n.º 310 | janeiro/fevereiro 2025