Artigo:Quando as aspas têm água no bico

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Quando as aspas têm água no bico

A minha nota de hoje vai para o artigo do suplemento P2 do domingo de dia 14 – “Vítimas ou Cúmplices da PIDE” de Duncan Simpson e a resposta ao mesmo de Irene Pimentel, com o título “Carrascos, Vítimas, Cúmplices e Passividade. O Caso da PIDE” publicado no suplemento P2 do “Público” de dia 21 de Fevereiro.

Trata-se de uma polémica suscitada por Duncan Simpson (DS) e que acredito irá ter mais desenvolvimentos. Não aparece por acaso, em minha opinião. Vivemos uma época fértil para quem quer rever a história e adocicar períodos históricos ou instituições com uma marca dolorosa para a humanidade.

Pondo em causa a idoneidade e rigor do trabalho de investigação de historiadores/as que se dedicaram a analisar a polícia política do salazarismo, DS considera a sua leitura e análise parcial, por ao terem vivido experiências pessoais com a PIDE, o seu trabalho de análise ter ficado, por assim dizer, inquinado. Ao longo do texto e desde logo no primeiro parágrafo, o historiador do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa utiliza repetidamente a palavra “antifascista”, sempre entre aspas. E cito “Desde Abril de 1974, quando as forças “antifascistas” asseguraram o domínio da memória colectiva sobre a PIDE, as relações entre a sociedade portuguesa e a polícia política do Estado Novo têm sido analisadas exclusivamente sob o prisma da repressão exercida sobre a pequena minoria de portugueses que se envolveu na oposição ao regime.” Argumentando que a maioria da população nunca se envolveu em actividades políticas, branqueia a PIDE e o seu papel repressor, que durante décadas pairou num clima de bufaria que atemorizou e coarctou as liberdades, o pensamento e a acção da esmagadora maioria do povo.

A normalização e a adaptação ao regime como forma de sobrevivência durante décadas não resultam duma menor ferocidade repressiva da polícia política. Numa época em que a memória e o conhecimento da história são vitais como armas de recusa de soluções autoritárias e populistas, o trabalho de historiadores sérios e o combate antifascista é cada vez mais necessário. Sem aspas.

Este artigo foi feito no dia em que o Zeca fazia anos. Sempre presente.

Almerinda Bento