Artigo:Psicopatia e Burocracia

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Psicopatia e Burocracia

Como explicar tantos casos como os denunciados pela FENPROF, de professores doentes, incapazes para o trabalho, obrigados a arrastarem-se para as escolas por decisão de Juntas médicas?

Parece que cerca de 1% da população mundial sofre de psicopatia, que 21% dos altos quadros das empresas também, o que justificaria muito do Mal na política, no Estado e nas empresas, e, logo, na sociedade. Mas, como Hanna Arendt tão bem explicou, sem o bom funcionário que põe a burocracia acima de tudo, sem os Eichmanns deste mundo, que levam o dever de obediência a limites de quase satisfação auto-erótica, o Mal não teria esta capacidade de inflingir tanto dano.

Hanna Arendt chocou o mundo com a sua perspectiva sobre os atos do homem que organizou, em grande parte, a Solução Final, que se traduziu no genocídio de 6 milhões de judeus, ao defender a tese de que Rudolf Eichmann mais não era de que um excelente funcionário a cumprir de forma zelosa e o melhor que sabia e podia as ordens que tinha, independentemente de ser um convicto antissemita.

Assim, podemos ter homens e mulheres absolutamente crentes nos seus valores de serviço à pátria ou outro motivo de força maior qualquer, a cometer as maiores atrocidades em nome do zelo e do dever, sem que a sua consciência os transporte para o merecido inferno da culpa, nem instância legal alguma que os condene por "cumprir" leis em detrimento da justiça e da humanidade.

A verdade é que são muitos os casos de pessoas que se arrastam em calvários completamente gratuitos, por vezes nos seus últimos tempos de vida, para não prejudicarem a família com uma súbita quebra de rendimento por entrarem em licença sem vencimento.

Acredito que não estamos num país de psicopatas, mas quanto aos burocratas, não estou tão certo. Cheira ainda ao bafio salazarento, serôdio, sem marca ou reinvindicação, mas ainda assim revelador da sua origem, pelos vistos não totalmente caducada.

Era também Hanna Arendt que defendia que desobedecer (talvez ser preso, torturado ou morrer) é uma escolha que existe quando somos aliciados a perpetrar o Mal, daquele que encheu Aushwitz e demais campos, em resposta aos que alegavam não terem tido alternativa senão cumprirem as cruéis e desumanas ordens do regime nazi, para salvarem a pele. 

Dir-se-ia que, nestas situações, nas dos burocratas compelidos a obrigar doentes profundos a regressar ao trabalho, caberia, pelo menos, o dever ético de desobedecer. 

João Correia