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Professores precisam-se

Expresso, 09/02/2019

Escolas desesperam para substituir professores. Diretores não encontram docentes para suprir colegas de baixa. Há alunos a ficar meses sem professor. Situação é mais grave em Lisboa e Algarve. Ofertas não compensam custos da deslocação para quem vem de longe.

ISABEL LEIRIA

Os problemas começaram no ano passado, agravaram-se no presente ano letivo e todos temem que se acentuem no próximo. Os diretores de escolas garantem que o número de professores de baixa está a aumentar e que é cada vez mais difícil encontrar quem aceite dar as aulas no seu lugar.

O que acontece, explicam, é que a oferta não é suficientemente aliciante, principalmente para professores que moram longe da escola que está à procura do substituto. Para muitos, aceitar o horário implica mudar de casa e pagar uma renda incompatível com o salário que é oferecido, sobretudo se for um horário parcial. Outros não querem deixar ocupações que entretanto conseguiram. Até porque o lugar pode acabar ao fim de um mês com o regresso do docente que foram substituir. E para algumas disciplinas simplesmente não há candidatos disponíveis. Os alunos acabam por ser os mais afetados, ficando sem aulas semanas, nalguns casos até meses.

“Este talvez seja o problema mais grave que as escolas enfrentam. É um desespero”, desabafa Maria José Soares, diretora do Agrupamento de Escolas Eça de Queirós, em Lisboa. “No ano letivo passado, chegámos a ter turmas do 7º ano e do 9º sem professor de Inglês entre janeiro e junho. Este ano, devo ter tido duas semanas sem ter de realizar um concurso [para substituição]. Há imensos atestados médicos”.

No Agrupamento de Alvalade (Lisboa), a diretora, Dulce Chagas, desfia a lista de professores que ainda tem em falta esta semana. “Tenho um horário de Educação Física que já foi uma vez à reserva de recrutamento (ver P&R) sem colocação; um de Português/Inglês que já fez o ciclo todo de procura de professor, com os alunos sem aulas há um mês; um de Informática que já esteve em contratação de escola mas ninguém concorreu e um de Francês na mesma situação. Para outro de Geografia estamos à espera de uma professora, depois de duas outras terem recusado.”

Em Carcavelos procura-se um professor de Geografia, outro de História e um terceiro de Matemática para uma turma do 7º. Para não prejudicar mais os alunos, há mais de dois meses sem aulas, este último horário em falta foi distribuído por professores da casa, como horas extraordinárias, conta o diretor, Adelino Calado.

Os relatos sucedem-se nas escolas contactadas pelo Expresso. Na Secundária da Ramada, em Odivelas, três turmas do 7º ano estiveram sem Inglês desde o início das aulas até 15 de janeiro. Neste concelho, as escolas organizaram o ano letivo por semestres. Contas feitas, os alunos tiveram apenas uma semana de aulas desta disciplina no primeiro semestre, que terminou a 25 de janeiro, queixa-se uma mãe. No ano letivo passado, alunos do 7º ano da Secundária Pedro Nunes (Lisboa) viveram uma situação semelhante a Ciências Naturais. Ficaram o 2º e 3º períodos sem aulas e a direção acabou por dar três opções aos alunos: ficar com a nota do 1º período, ter passagem administrativa ou realizar um exame. “O que nos preocupa é a compensação pelas aulas não dadas. Este ano não houve nenhum reforço“, lamenta um pai.

Davide Martins é professor de Matemática e colaborador do blogue “Arlindo”, onde compila estatísticas sobre horários e contratações. Segundo o último levantamento que fez, desde final de agosto até ao início deste mês tinham sido pedidos 20.527 horários para contratação, uma média de 25 por escola. Há zonas do país onde o valor é bastante superior, como é o caso da região de Lisboa (média de 35 horários por escola) e do Algarve (38), o que pode indiciar, explica, que muitos não foram aceites e tiveram de ser lançados várias vezes.

Segundo o Ministério da Educação (ME), foram colocados até agora 14 mil professores das listas de recrutamento e não foram aceites 2530 horários (cerca de 20%).

ACENTUADO ENVELHECIMENTO

Porquê? As pistas são várias. “Com o envelhecimento do corpo docente, os problemas de saúde aumentam. Muitos têm redução do número de horas de aulas por via da idade. Por isso, quando os horários são lançados podem ser mais curtos. Se quem está disponível estiver no norte não lhe compensa vir para Lisboa, onde pode pagar €500 só por um quarto”, lembra Benedita Salema, vice-presidente da Escola Artística António Arroio, outro dos estabelecimentos com dificuldades de substituição.

Consultando a lista de horários que esta semana estavam em oferta de escola, ou seja, que já tinham sido recusados ou ficado vazios nas reservas de recrutamento, é a sul do país e em grupos como Informática, Português e Geografia que há mais dificuldade na procura, contabiliza Davide Martins. “A par com a falta de funcionários, este é sem dúvida um grande problema das escolas”, confirma.

Júlio Santos, diretor do Agrupamento do Restelo, também em Lisboa, garante que o problema é nacional e que tenderá a agravar-se. “Quem é que quer ir para professor hoje em dia? Não é uma carreira atrativa. Se, na altura da crise, os candidatos aceitavam qualquer oferta, hoje têm mais alternativas.” Na página da escola, os avisos não deixam dúvidas sobre as dificuldades: “Encontra-se em reserva de recrutamento um horário de 20 horas de Filosofia, um horário de 22 horas de Inglês e um horário do 1º ciclo.” Já em oferta de escola há um concurso para Português e outro para História.

“Já há um ano os diretores de Lisboa e Alentejo se queixavam. O ME não pode desprezar um problema que se vem agravando”, avisa Filinto Lima, presidente da Associação Nacional de Diretores de Escolas Públicas.

Apesar de o ME não dar dados sobre o número de professores de baixa, há outros indicadores que indiciam o aumento de problemas de saúde. Por exemplo, os professores autorizados a mudarem-se para outras regiões para ter assistência médica, dos próprios ou de familiares, aumentaram de 4429 em 2016 para 6478 este ano letivo. A maioria, explica Davide Martins, pede para se deslocar para a região norte, deixando o sul mais desfalcado.

Ao Expresso, o Ministério reconhece que “já foram sinalizados casos em que as escolas lidam com mais dificuldades na substituição de docentes” e que para “mitigar os efeitos das faltas de docentes” tem autorizado o recurso a horas extraordinárias. De qualquer das formas, sublinha, as alterações que fez na lei tornaram os processos de substituição são agora mais rápidos.

P&R

Como são recrutados os professores ao longo do ano?

De cada vez que uma escola precisa de um professor para uma substituição lança esse pedido numa plataforma online, entre segunda e quarta-feira de cada semana. O programa do Ministério corre a lista de candidatos que, antes do início do ano letivo, disseram estar disponíveis para horários em determinada zona geográfica. Havendo coincidência entre horário pedido e candidato na reserva de recrutamento (RR), o professor é informado na sexta-feira, tendo dois dias úteis para dizer se aceita.

E se não houver nenhum candidato na lista?

O horário não ocupado, por recusa do candidato ou inexistência de nomes na lista, volta a ser lançado na mesma plataforma na semana seguinte. Se ficar vazio por uma segunda vez, na semana seguinte passa para outro modo de seleção: a contratação de escola.

Essa fase é mais rápida?

Teoricamente, sim. Na prática, depende. Em vez de ser o sistema a procurar de forma automática, o horário é publicitado, e os professores é que manifestam interesse em ocupá-lo. A oferta fica disponível quatro dias e é gerada uma lista de interessados. Cabe à escola contactar o primeiro docente da lista, que tem 24 horas para dizer se aceita aquele horário. Se não aceitar, a escola contacta o seguinte e assim sucessivamente.

E se nem nesta fase houver candidatos?

O horário volta à reserva de recrutamento e percorre um ciclo de tentativas idêntico. Há escolas que têm resolvido o problema conseguindo autorização do Ministério da Educação para distribuir horas extraordinárias pelos docentes da casa.

Porque é que surgem tantos horários ao longo do ano?

Havendo 120 mil docentes, é compreensível que haja também um número significativo de baixas. Por doença, acidentes, gravidez, etc. E o envelhecimento da classe gera mais problemas.

Paula Rodrigues