Professores e/ou Novas Tecnologias?
Em setembro, mais de 130 países reuniram-se em Nova Iorque para debater o futuro da Educação na segunda edição da cimeira “Transforming Education Summit 2022”, iniciativa lançada em 2021 pelo Secretário Geral das Nações Unidas, António Guterres.
Desta cimeira, resultaram um conjunto de compromissos estabelecidos por cada um dos países participantes, incluindo Portugal (consultar aqui).
A notícia publicada na página da Education International (EI), a 25 de Outubro, em que se divulga os resultados e conclusões desta cimeira, na forma dos compromissos afirmados pelos diferentes países participantes, aparece sob o elucidativo título: “Teachers, not computers, are the beating heart of education”.
Nesta notícia escreve-se:
“No entanto, o impacto do uso da tecnologia na educação em larga escala permanece em grande parte não testado, não regulamentado e seus possíveis benefícios para o ensino e a aprendizagem, não comprovados”;
"Dentro do contexto de grandes empresas de tecnologia desempenhando um papel educacional cada vez maior, que introduz motivos privados com fins lucrativos para o ensino público (...)";
“Apelamos a todos os governos para que intensifiquem e façam a sua parte: invistam nos professores, envolvam os professores, confiem e respeitem os professores. Aumente as ideias criativas, não a distribuição de tecnologia.”.
Há um grande contraste entre a visão crítica e prudente assumida na notícia da EI e o conteúdo da carta de compromissos portuguesa, prenhe de receitas pró-digitais, sem uma referência que seja à necessidade, urgente, de avaliar de forma genuinamente científica os impactos globais da multiplicação de écrans e recursos digitais de forma faseada e programada. Quanto mais voltar atrás, caso se conclua que é o melhor a fazer.
Por que razão a introdução de recursos digitais e novas tecnologias, correspondente a muitos milhões de despesa do Estado e lucros das empresas que os vendem, se faz a uma velocidade muito superior à que escolas, encarregados de educação, professores, universidades e governos conseguem estimar o seu real impacto no rendimento escolar e no desenvolvimento global dos alunos?
Perante a enorme quantidade de estudos que apontam para a necessidade de, no mínimo, os governos revelarem prudência na adoção destes recursos face ao aumento brutal da exposição de crianças e jovens aos écrans (Desmurget, M. “Fábrica de Cretinos Digitais”, Contraponto, 2021) e dos efeitos perniciosos que isso pode ter na sua saúde, os governos acabam por claudicar num dos aspetos mais delicados e arquimédicos dos sistemas políticos: a defesa do interesse público face a interesses privados.
O que se passa neste domínio faz parte de um processo de degradação da esfera da influência da Ciência junto da classe política e na opinião pública face ao poder (mediático) dos grandes grupos económicos, numa área tão sensível quanto é a saúde das crianças e dos jovens, o futuro, portanto.
A nós, professores, cabe a resistência possível, dizendo a verdade sobre o que observamos no quotidiano das nossas escolas, nomeadamente que o livro não é substituível pelo écran, que cada coisa tem o seu tempo, o seu modo e o seu espaço. Que o digital é útil, sim, mas apenas como mais uma tipologia de recursos entre as várias ao dispor do professor e dos alunos.
João Correia