Artigo:(Pouco) admirável mundo novo

Pastas / Informação / Todas as Notícias

(Pouco) admirável mundo novo

«Ansiedade, ataques de pânico, falta de apetite, dias a fio sem dormir». Infelizmente, esta é uma situação bastante familiar para quem está hoje no ensino superior e na ciência em Portugal. A pressão constante e difusa a que estão sujeitos os estudantes, bolseiros, pessoal técnico e administrativo, investigadores e docentes, tem consequências psicológicas profundamente nefastas para a sua saúde e o seu bem-estar. A empresarialização da academia, no quadro do turbo-capitalismo neoliberal, significa que esta tem adotado cada vez mais as “melhores” práticas do mundo empresarial. A omnipresença dos rankings (sem problematizar os seus fundamentos), a necessidade imperiosa, senão mesmo patológica, de publicar ou perecer, a constante e muitas vezes kafkiana avaliação a que estão sujeitos os académicos, por parte dos seus pares, de alunos, de agências de financiamento e, fundamentalmente, de si próprios, tendo como pano de fundo a incerteza e a precariedade, causa-lhes grande ansiedade e elevados níveis de stress. Da cooperação e partilha, mesmo salvaguardando a possibilidade de estarmos a mitificar um passado que nunca existiu verdadeiramente, passamos para a competição exacerbada como princípio global de funcionamento da academia. A sobre-exploração dos trabalhadores científicos, levando a que o burnout seja uma realidade cada vez mais usual no sistema científico e tecnológico nacional, deve interpelar-nos a todos para uma reflexão, cada vez mais urgente, sobre o papel da academia na sociedade contemporânea. Espaço de (re)imaginação de múltiplos futuros ou cemitério de pensadores exaustos e deprimidos?

André Carmo