Portugal e as alterações climáticas
Há algum tempo os jornais noticiaram que a escassez de água na Cidade do Cabo na África do Sul levou o governo a racionar fortemente o seu consumo doméstico e a aplicar multas muito elevadas a quem gastasse mais de cinco litros por dia do precioso líquido. Eis um sinal do que poderá acontecer no futuro noutros países se as alterações climáticas provocadas pelo uso dos combustíveis fósseis não forem revertidas a nível global.
Tudo indica que Portugal já esteja a sofrer o impacto destruidor do efeito estufa. Segundo dados relativos a finais de janeiro de 2022, 53,7% do território encontra-se em seca moderada, 34% em seca severa e 11% em seca moderada. A falta de chuva faz com que 15 albufeiras tenham uma disponibilidade de água abaixo de 40%, destacando-se a da barragem do Alto Lindoso com apenas 12%. Perante esta situação, o governo já decretou a suspensão da produção hidroelétrica em algumas barragens, uma medida paliativa necessária que apenas terá efeitos no curto prazo se a seca persistir.
A gestão criteriosa dos recursos disponíveis existentes cada vez mais escassos terá que ser uma aposta que nos preserve num futuro não muito distante de sermos obrigados a um racionamento drástico da água para consumo humano. O ministro do Ambiente, Matos Fernandes, informou que foi realizado um investimento de 500 milhões de euros na melhoria dos sistemas de abastecimento de água, de modo a reduzir o desperdício das perdas que é elevado. Defendeu também a necessidade da introdução de “práticas agrícolas consentâneas com a disponibilidade de água” (Público, 6. 2. 2022). Embora estas práticas tenham que ser defendidas e incentivadas, existem, porém, dois poderosos obstáculos que podem pô-las em causa.
O primeiro, talvez o mais poderoso, situa-se fora do âmbito da agricultura e relaciona-se com os megaprojetos imobiliários de luxo que florescem no Sul do país do sol e do céu azul com a sua legião de campos de golfe, complexos hoteleiros e outras infraestruturas fortemente consumidores de água. A primeira consome enormes volumes de água relativamente às necessidades de quem os utiliza, ou seja, a “gente fina” dos resorts para uso exclusivo. Na situação de seca em que o país se encontra esta situação é verdadeiramente escandalosa e absolutamente inaceitável. Antes de se racionar a água para usos agrícolas, deve começar-se a racioná-la na alimentação do parasitismo imobiliário depredador que não para de crescer precisamente nas regiões em que se fazem sentir com maior intensidade os efeitos da seca.
O segundo são as megaexplorações de agricultura intensiva de alto rendimento orientadas exclusivamente para a exportação, baseadas na utilização de uma força de trabalho imigrante sobreexplorada, destruidoras das culturas locais tradicionais e dos pequenos e médios agricultores das regiões onde se implantam. Os exemplos mais emblemáticos são as estufas produtoras de frutos vermelhos da costa alentejana e sobretudo as explorações regadas pela barragem do Alqueva, controladas por grandes agricultores do país vizinho em substituição das tradicionais searas alentejanas de sequeiro pouco produtivas, segundo uma ótica capitalista de alto rendimento, por olivais intensivos e por grandes extensões de amendoais. Houve, é certo, um grande aumento da produção e da produtividade, conseguido, porém, à custa de um processo de desertificação traduzido numa quebra populacional de 41 000 habitantes em todo o Alentejo entre 2011 e 2021, com particular destaque para Beja (- 6,8%), Cuba (-10,3%), Ferreira (- 7,0%) e Vidigueira (-12,7%).
Já nos idos anos 80 o relatório O Nosso Futuro Comum (1987), da Comissão Mundial do Ambiente e Desenvolvimento (W.C.E.D), tinha lançado um alerta para as consequências desastrosas destes megaprojetos exportadores que forçam as populações autóctones a migrar para outras regiões ou para o estrangeiro, esgotam os solos com a utilização e adubos e fertilizantes químicos para satisfazer apenas os interesses do agronegócio cujos rendimentos em grande parte dos casos, de que se destaca o da região do Alqueva, não permanecem no país. Uma coisa é certa: este Portugal à beira-mar plantado, que até pode dessalinizar a água do mar que tem em abundância para mitigar a seca, continua a nada aprender com as asneiras dos outros.
Joaquim Jorge Veiguinha