Artigo:PORQUE TENHO ORGULHO EM SER FUNCIONÁRIO PÚBLICO

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Está na moda denegrir os funcionários públicos. Eles seriam preguiçosos, incompetentes, e bem pagos: ganhariam mais na função pública do que em equivalentes funções no privado.

Uma das “acusações” atiradas contra os funcionários públicos (desculpem, mas é assim que eu quero ser tratado e não “trabalhador em serviço público”, como a lei agora exige) é de que garantiam um emprego para toda a vida, o que, aos olhos dos fundamentalistas neoliberais que nos governam, seria crime grave. Isto é, os funcionários públicos estariam protegidos contra as crises, nomeadamente contra o desemprego. Acontece, porém, que esta acusação só muito parcialmente é verdadeira: os serviços públicos são cada vez mais exercidos por “contratados” (no ensino, na saúde, na segurança social,…) com condições de instabilidade em nada menos agravadas do que no setor privado). Isto é exatamente o contrário da lógica que deve prevalecer. De facto, a estabilidade no serviço público tem uma razão de ser. O funcionário é público, isto é, está ao serviço da comunidade. Assumir este princípio significa que no exercício da sua função tem de orientar-se pelos valores gerais da comunidade, valores consignados em documentos como as constituições. Não pode estar dependente da vontade do partido que em dado momento esteja no poder (exceto os casos de cargos que sejam de nítida confiança política, que devem ser reduzidos ao mínimo) como não pode submeter o interesse geral dos cidadãos às suas opções políticas, sociais ou religiosas.). Porque sou funcionário público, como professor, não posso orientar as minhas aulas pelas minhas convicções políticas ou religiosas – o que seria legítimo e até me podia ser exigido em estabelecimentos privados. Se trabalhasse num estabelecimento de ensino dependente de uma igreja seria natural que tivesse que defender os valores subjacentes a essa igreja e correria evidente perigo de despedimento se defendesse posições contrárias. Se trabalhasse para uma instituição partidária dificilmente se aceitaria que defendesse posições não consentâneas com as do partido, enfim, se trabalho numa empresa é natural que me exijam que defenda a minha empresa perante a concorrência. Como funcionário público, porém, eu tenho que me posicionar perante o interesse geral e não posso estar dependente das tábuas de opções de quem momentaneamente assuma o poder. É essa defesa – que é ao mesmo tempo a assunção de deveres – que a estabilidade do exercício de uma função pública pretende garantir. É com base nesse superior interesse que tenho exercido a minha profissão docente. E admito que, se a legislação não me protegesse – em troco de deveres que me impõe – poderia ter sido despedido por qualquer “diretor” que não perfilhasse as minhas ideias políticas, religiosa, sociais ou outras.

Sou funcionário público, isto é, exerço um serviço útil à comunidade, orientando-me pelo interesse geral da sociedade e não por interesses de grupos particulares. E orgulho-me disso.

Quanto aos vencimentos dos funcionários públicos, um professor numa escola não pública que respeite o contrato coletivo ganha praticamente o que eu ganho numa escola pública – o que aliás tem sido uma exigência sindical. Não consta que os médicos do serviço público sejam mais bem pagos que no particular – bem pelo contrário; não consta que os gestores de empresas privadas  ganhem menos que gestores de empresas públicas equivalentes; e, no fim de contas, há privados a ganharem muitíssimo mais que o presidente da república, os ministros, os deputados… Mas sobretudo há que dizer bem alto que boa parte dos funcionários públicos ganha miseravelmente: se têm dúvidas, vão ver as folhas dos salários do pessoal auxiliar das nossas escolas!

O ataque aos funcionários públicos têm um papel instrumental: dividir os trabalhadores para mais facilmente os dominar. Cumpre também um papel ideológico: criar um ambiente favorável à privatização dos serviços, isto é, colocá-los não ao serviço do interesse geral mas ao serviço de interesses de grupos. De modo que, quem não serva os interesses do grupo possa ser legitimamente afastado. É preciso derrotar estas sereias que, apregoando “menos estado” não querem outra coisa senão poder o estado ao seu serviço…particular.