Pontes para a Paz, um projeto multifacetado que ensina a saber ouvir e a colaborar
Lígia Calapez | Jornalista
O projeto Pontes para a Paz foi o fulcro da nossa conversa com Cristina Costa, educadora social, técnica superior de educação social na EB1 Leão de Arroios. Uma escola, como muitas outras, repleta de trabalhos, de desenhos dos alunos, espalhados pelas paredes e no átrio de entrada. Parte deles fruto das atividades desenvolvidas no quadro deste projeto.
Cristina Costa foi a primeira educadora social na escola e as pistas que lhe foram indicadas eram, antes do mais, a necessidade de resposta aos conflitos nos recreios, a gestão de comportamentos, na perspetiva de uma estratégia de prevenção.
“Fiquei um mês a observar os alunos, a ver algumas aulas, a ver o comportamento deles no recreio, a caracterizar as situações que ia encontrando”, relata. E, depois, “com base nas informações que tive na altura, e respondendo à preocupação que já me tinha sido apresentada pelo coordenador da escola, decidi criar este projeto”.
O plano elaborado por Cristina Costa tem como ponto de partida “perceber qual era o desenvolvimento das competências sociais das crianças, socioemocionais”. Porque “é importantíssimo nesta idade elas desenvolverem algumas competências, de colaboração, de respeito do espaço do outro, do saber ouvir”, no fundo a regulação emocional.
“Tudo foi um bocadinho confuso e difícil nos primeiros anos”, refere. Estávamos em novembro de 2020, em plena pandemia, num momento em que é declarado o estado de alerta, o que exigiu, logo à partida, algumas adaptações. Entretanto, o projeto avançou.
Um momento de ir à sala de aula
Uma vertente fundamental do projeto desenvolve-se em sala de aula, durante uma hora, uma vez por mês, percorrendo todas as salas. Ao longo do ano letivo, nove atividades em cada turma. Tendo o cuidado de diferenciar as turmas de 1º 2 º ano e as do 3º e 4º ano, “porque são idades bastante diferentes”.
Nessa hora trabalha-se algum tipo de atividade, “relacionada com a regulação emocional, com a identificação de certos sentimentos, os ciúmes, a empatia, algumas atitudes de prevenção”.
Nas turmas do 3º e 4º anos, estes momentos são por vezes transformados em assembleias de turma, em que os alunos “têm oportunidade de falar dos problemas que sentem, seja conflitos com os colegas ou problemas em casa, alguma coisa que sintam que afeta o seu bem-estar, alegrias, tristezas, preocupações”. Momentos que são em geral bem aproveitados. “Eles gostam de participar” e assumem responsabilidades – que lhes são atribuídas por Cristina – como moderador, como secretário. São os próprios a sugerir soluções para os problemas. Ou sugerem mesmo projetos. “Projetos de multiculturalidade, projetos do meio ambiente”, que, entretanto, estão a ser concretizados, com os alunos do 4º ano.
No 3º ano “estou só a avançar com aquele momento de partilha, de problemas, de sentimentos, de atos de empatia”. Toda essa gestão emocional faz parte, igualmente, da atividade desenvolvida com os mais pequeninos, no 1º e 2º anos, “identificação de sentimentos, identificação de competências básicas, pedir para brincar, pedir desculpa, a inveja de querer o brinquedo do outro, como partilhar”.
Uma atividade quotidiana que, por vezes, dá lugar a outras, mais diretamente focadas no tema da paz, nomeadamente sobre o ciclo da violência (em que “chegámos à conclusão que não tem início nem fim”).
Aproveitando os recreios
Uma outra parte do plano elaborado por Cristina Costa decorre nos recreios. Antes do mais, há uma intervenção direta nos intervalos. Cristina está sempre presente e os alunos sabem que podem sempre contar com ela. “Na gestão dos conflitos e dos problemas e quando têm tristezas ou preocupações, vêm ter comigo”.
O intervalo do almoço, que é o mais extenso, é aproveitado para outro tipo de intervenção. Aí, “eu tiro uns 20, 30 minutos, pego nalguns deles e levo-os para uma sala mais sossegada, que tem pufes, tem alguns materiais” escolhidos para essas atividades.
São sempre grupos pequenos, englobando “alguns alunos que tenham alguma característica que precisa de ser mais trabalhada, seja a questão da resolução dos conflitos, seja a questão da socialização positiva”. Mas sempre com a preocupação de serem grupos abertos, incluindo alunos que não manifestam qualquer problema particular, “exatamente porque eu não quero que eles vejam aqueles grupos como o grupo dos malcomportados”.
Iniciativas marcantes
Ao longo deste processo, que se desenvolve desde 2020, Cristina Costa tem implementado as mais diversas iniciativas.
Por exemplo, os “Heróis da Paz”. Um grupo de estudantes, que ia sempre variando e que envolvia 3 ou 4 alunos de cada turma, “que eram os heróis da paz dessa turma”. Tinham uma mini formação de resolução de conflitos e, nos recreios, tentavam resolver os conflitos que iam surgindo, naturalmente com ajuda de adultos. O objetivo era, em caso de conflito, os alunos poderem recorrer também aos “heróis da paz”. Isso ajudava a uma replicação de modelos, pois assim, entre pares, “têm um modelo de como é que se devem comportar e de como é que devem resolver problemas”.
Ou, ainda, o “Calendário da Bondade”. “Fiz um calendário com todos os dias de cada mês e, em cada dia, pedi para eles escolherem uma atividade de bondade”, com base também num livro que apontava vários exemplos de “como podemos ter um mundo melhor”. Aliás, Pontes para a Paz era também o nome de uma outra atividade que conta com uma história como base, a história de dois amigos separados por uma tempestade simbólica e de como “o voltar a uni-los”. Pretexto para compreender a importância e o peso das palavras, palavras agressivas, palavras conciliadoras – palavras “trovão”, palavras “ponte”.
No 4º ano também se realizam debates. Partindo de um livro com perguntas – “o que é o bem e o mal, ou o que é a vida, ou o que é viver em sociedade”, divide-se a sala em grupos – “concordo”, “discordo”, “não sei” - e o debate é lançado. Em torno de “perguntas para desafiar o pensamento crítico”.
Um trabalho articulado. Perspetivas de futuro
“De forma geral temos sempre colaborado com os professores de educação especial, com os professores titulares, a terapeuta da fala, temos sempre trabalhado muito em conjunto”, sublinha a nossa entrevistada. E, para além dessa articulação quotidiana, refere alguns exemplos. Como a participação em Histórias pela Paz, um concurso da Histórias da Ajudaris, em que, todos juntos, “conseguimos construir um conjunto de histórias”. Ou as comemorações dos 500 anos de Camões, com a elaboração, conjunta de um e-book, com o envolvimento dos alunos em trabalhos de áudio, da parte visual, de pesquisa. Ou, ainda, as comemorações do Dia da Criança, que deu lugar a um PowerPoint, com base num livro da UNICEF, que “mostra a vida de vários meninos em várias partes do mundo”. E a uma árvore com palavras e desenhos associados aos direitos humanos, agora em exposição no átrio da escola.
Em perspetiva, Cristina Costa gostaria de “intervir mais na área de integração dos alunos imigrantes. Queria ver se tentava ter uma dinâmica, para eles se misturarem mais uns com os outros”. E de pensar, como um polo para o futuro, numa ligação a outras associações, uma articulação com a comunidade.
Texto original publicado no Escola/Informação Digital n.º 45 | março 2025