Artigo:Podemos falar de uma Educação Inclusiva sem o trabalho dos Docentes de Educação Especial?

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Podemos falar de uma Educação Inclusiva sem o trabalho dos Docentes de Educação Especial?

Nelson Santos

A Educação Inclusiva (EI) deve ser vista como a realização do direito humano à educação para todas as crianças e jovens. Para alcançar isso, é necessário promover não apenas o acesso, mas também a participação e o sucesso de todos os alunos. Nóvoa (2014) destaca que, embora todas as crianças estejam na escola, nem todas aprendem, o que representa um grande desafio.

A legislação consagra os direitos, mas as práticas ainda encontram muitas barreiras e, na realidade, muitas por subsistirem dificuldades ao nível dos recursos humanos e físicos. Verificamos que ainda existem desafios e um relatório da OCDE (2022) confirma que um desses desafios é que muitas pessoas ainda veem a inclusão como algo restrito a alunos com necessidades específicas. É fundamental encararmos a diversidade como uma mais-valia (Florian & Spratt, 2013) para que seja abraçada como prática concreta e não como um compromisso secundário (Santos, 2024). Não devemos prender-nos à categorização ou à descrição estigmatizante das perturbações, mas importa evitar generalizações vagas que podem confundir e trivializar um trabalho que precisa ser mais específico e, por que não dizê-lo, especializado (Colôa, 2022).

Indo ao encontro do que acabámos de referir, a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (CDPD) das Nações Unidas (2006) enfatiza a necessidade de apoio individualizado eficaz para que a inclusão seja efetiva. A formação de professores é crucial para desenvolver práticas que respondam à diversidade dos alunos, e o trabalho colaborativo é fundamental. Sabendo que os professores são essenciais para garantirmos sistemas educativos de qualidade, é essencial formar os futuros professores com competências profissionais que os ajudem a desenvolver práticas que respondam à diversidade dos alunos. Mas é igualmente importante que os professores não estejam sozinhos!

Nesse sentido, o papel dos professores de educação especial (DEE) é essencial para garantir uma educação de qualidade para todos os alunos. Estes profissionais devem ter como prioridade apoiar os alunos com um perfil de aprendizagem e comportamental mais complexo, adaptando práticas pedagógicas às suas necessidades específicas. No entanto, estudos da FENPROF (2022; 2025) revelam que muitos alunos não recebem o apoio necessário, sendo destacado a importância dos DEE. O mais recente alerta é que 64% das Escolas afirmam que o número de DEE é insuficiente (FENPROF, 2025), referindo também que faltam assistentes operacionais em número e com formação adequada para trabalhar com alunos com NEE.

Na mesma linha, Kauffman et al. (2022) destacam que a falta de DEE nas escolas contribui para aumentar as desigualdades educativas. Tal como referimos anteriormente, um aspeto a ressalvar é que a colaboração é fundamental para criar contextos que promovam a participação de todos os alunos. No entanto, é necessário que a colaboração seja sistemática entre todos os agentes educativos. A colaboração entre professores e DEE é essencial, mas muitas vezes ocorre de forma informal, o que limita a eficácia (Correia, 2008; Martin & Alborz, 2014).

Um outro aspeto a ter em conta é que a formação especializada dos DEE enfrenta várias dificuldades. Primeiramente, a duração dos cursos, que muitas vezes é de apenas seis meses a um ano, é considerada insuficiente para abordar com a profundidade necessária os domínios e áreas de especialização. Além disso, a formação em regime b-learning levanta questões sobre a sua eficácia na preparação adequada dos futuros docentes. Importa também referir que a formação é fortemente regulada pelo Estado, o que limita a autonomia das Instituições de Ensino Superior na adaptação dos planos curriculares às necessidades dos professores em formação. Consideramos importante ressalvar a necessidade de uma componente mais prática na formação, que permita experiências de planificação, ensino e avaliação em contextos reais de trabalho.

Outro ponto que merece reflexão é a falta de clareza nas funções dos DEE que pode levar à descaracterização da profissão, resultando num professor generalista sem a especificidade necessária para o apoio direto aos alunos. Essas dificuldades comprometem a capacidade dos DEE de responder eficazmente às necessidades dos alunos e de promover práticas inclusivas nas escolas. É fundamental que os DEE tenham o conhecimento pedagógico e os dados sobre a aprendizagem dos alunos para conceber, em colaboração, as melhores estratégias e avaliar a eficácia de todo o processo, que as estratégias e materiais sejam adaptados para promover a participação de todos os alunos (Vale, 2020; Salvador, 2019).

A EI deve ser baseada em saberes concretos e o trabalho dos DEE deve ser específico, especializado e sobretudo diferenciado. Terminamos reforçando que estes profissionais devem apoiar diretamente os alunos com um perfil de aprendizagem e comportamental mais complexojudando-os a participar plenamente em contexto escolar. Sendo que a colaboração entre DEE e todos os outros agentes educativos é fundamental para garantir uma EI e equitativa.

 

Referências Bibliográficas

Colôa, J. (2022). Problemas Emocionais e Comportamentais na Escola – Teoria e Prática. ISEC – Instituto Superior de Educação e Ciências. https://pt.slideshare.net/jcoloa/problemas-emocinais-e-comportamentais-teoria-e-prticapdf

Correia, L. (2008). Inclusão e necessidades educativas especiais – um guia para educadores e professores (2ª ed.). Porto Editora

FENPROF (2022). Educação Inclusiva. Quatro Anos após a Implementação. Secretariado Nacional FENPROF. https://www.fenprof.pt/media/download/8FC29A4C0AE796B3975EF21E86D78D49/f-084-resultados-inquerito-dl54-2018-22-07-22.pdf

FENPROF (2025). Levantamento feito pela FENPROF apura e reafirma que, de acordo com as escolas: Para a Educação ser realmente inclusiva são necessários mais recursos e respeito pela lei. Secretariado Nacional FENPROF. f-010-levantamento-fenprof-2025-sobre-educacao-inclusiva-21-01-25.pdf

Kauffman, J.M.; Anastasiou, D.; Hornby, G.; Lopes, J.; Burke, M.D.; Felder, M.; Ahrbeck, B.; Wiley, A. (2022). Imagining and Reimagining the Future of Special and Inclusive Education. Educ. Sci. 12(903), 1-22. https://doi.org/10.3390/educsci12120903

Martin, T., & Alborz, A. (2014). Supporting the education of pupils with profound intellectual and multiple disabilities: the views of teaching assistants regarding their own learning and development needs. British Journal of Special Education, 41(3), 309–327. https://doi.org/10.1111/1467-8578.12070

Nações Unidas. (2006). Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência. United Nations. 

Nóvoa, A. (2014). Apostar na Educação para reinventar Portugal. JL Educação, 1–9.

OCDE (2022), Review of Inclusive Education in Portugal, Reviews of National Policies for Education, OECD Publishing, Paris, https://doi.org/10.1787/a9c95902-en.

Salvador, A. (2019). O papel do professor titular e o papel do professor de educação especial. Descubra as Diferenças – Centro de Desenvolvimento Infantil, 43. https://revistadescubraasdiferencasmaio2019.home.blog/2019/05/21/o-papel-do-professor-titular-e-o-papel-do-professor-de- -educacao-especial/

Santos, N. (2024). Formação Inicial de Professores do 1.º e 2.º Ciclo do Ensino Básico para atender à Educação Inclusiva. [Tese de Doutoramento]. Instituto de Educação da Universidade de Lisboa. http://hdl.handle.net/10400.5/96292

Vale, I. A. C. M. (2020). Perspetivas de Professores e de Alunos sobre o papel do Professor de Educação Especial na Construção de uma Escola Inclusiva. [Tese de Mestrado]. Escola Superior de Educação de Lisboa. http://hdl.handle.net/10400.21/13041

 

Notas biográficas

Nelson Santos

neldav25@gmail.com

ORCID: https://orcid.org/0000-0002-1610-2955


É licenciado em Educação Básica - 1º Ciclo e mestre em Ciências da Educação - especialização em Educação Especial. É doutorado em Educação, na área de Formação e Supervisão de Professores, pelo Instituto de Educação da Universidade de Lisboa, com a tese: “Formação Inicial de Professores do 1° e 2° Ciclo do Ensino Básico para atender à Educação Inclusiva”. É formador certificado pelo Conselho Científico da Formação Contínua na área da Educação Especial e Sensibilização à Educação Especial. Tem sido formador em diversas ações de formação no âmbito de formação contínua.

Desenvolve a sua atividade profissional como coordenador de uma equipa de apoio especializado e professor de educação especial no Colégio Pedro Arrupe. É também docente convidado do Instituto Superior de Educação e Ciências (ISEC) na Pós-Graduação em Educação Especial: Domínio Cognitivo-Motor e na Supervisão de Estágios Pedagógicos. É igualmente docente convidado na Universidade Lusófona, no Mestrado em Ciências da Educação: Educação Especial - Domínio Cognitivo e Motor. Em novembro de 2024, iniciou funções de investigador colaborador no CeiED e de investigador no ReLeCo - Políticas Públicas e Governação em Educação, CeiED, na Universidade Lusófona.

Foi autor e coautor de alguns artigos publicados em revistas nacionais e estrangeiras, em áreas como a Educação Inclusiva, Formação Inicial de Professores e Diferenciação Pedagógica (entre outros).

Pertenceu ainda à Comissão Científica e à Comissão Organizadora de alguns congressos internacionais, nomeadamente o ISEC 2015.