Artigo:Pelo Sonho É Que Vamos…

Pastas / Informação / Opinião

Pelo Sonho É Que Vamos…

(Sebastião da Gama)


Antes daquela madrugada, daquele dia inicial inteiro e limpo por que a Sophia de Mello Breyner Andresen esperava, não era fácil a vida neste “jardim da Europa à beira-mar plantado” (verso do Tomás Ribeiro). Vale a pena relembrar alguns aspectos sociais como, por exemplo, a falta de escolas, os salários de miséria, os bairros de barracas, a escassez de meios de transportes, a ausência de um serviço de saúde público, a falta de liberdade, o medo de ser livre... Mas uma das maiores preocupações para quem tivesse algum jovem rapaz na família era o fantasma da guerra colonial e eu tinha um irmão também jovem...
O meu percurso de vida é ilustrativo do preço que se tinha de pagar nessa altura se houvesse o sonho, a pretensão de se conseguir alguma progressão, alguma melhoria na nossa vida: comecei a trabalhar muito miúda e sempre ambicionei prosseguir os meus estudos, pelo que foi como trabalhadora-estudante que consegui fazer a minha licenciatura e vir a ter uma profissão que considero ser uma das mais dignas – ser professora.
Quando, há cinquenta anos, o 25 de Abril abriu as portas da liberdade, dos ideais por que tantos anti-fascistas tanto sofreram (alguns deles dando por isso as suas próprias vidas), como a justiça, a fraternidade, a igualdade, eu era já uma jovem que trabalhava para poder pagar os seus estudos. Foi um acontecimento tão grandioso que, quando um colega meu da empresa em que eu trabalhava manifestou alguma preocupação em relação ao que iria suceder, lembro-me de lhe ter respondido que não tivesse receio, porque as coisas ficarem pior do que estavam era impossível; tal foi a minha alegria, a felicidade que senti pela queda da ditadura fascista, a enorme esperança relativamente às mudanças que queríamos ver acontecer.
Houve mudanças bem marcantes, nomeadamente na Educação, abriram escolas por todo este país, as condições de vida melhoraram de maneira a que muitos jovens pudessem prosseguir os seus estudos, há liberdade de escolha em muitos aspectos pessoais e sociais, a existência de Sindicatos foi um dos factores que em muito contribuiu para a melhoria das condições de trabalho de muitas profissões, sendo de enaltecer o papel que o Sindicato dos Professores tem vindo a prosseguir pela dignificação da profissão docente. Devemos ter sempre presente que a luta do povo, o envolvimento da população foi um factor importante no processo revolucionário. Não devemos esquecer isso. Já no século XVIII Immanuel Kant afirmou: «As revoluções são expressões espontâneas da vontade humana movidas pela esperança de um mundo melhor (…) não se trata do gesto revolucionário mas do facto de a revolução ter evocado uma enorme empatia entre a população. O suficiente para mudar o curso da História.»
Muito falta ainda fazer para que a justiça e a igualdade sejam uma realidade social, numa altura em que 10% da humanidade detém 75% da riqueza mundial. Estamos a viver um período em que a tão ansiada Paz universal parece um desígnio inalcançável. É doloroso ver como é descrito este tempo actual no texto de um grande pensador português: «neste tempo de penúria, de pobreza, de solidão, de abandono e de desigualdades sociais, deveria ser o debate sobre o modo como se pode salvaguardar o mais esquecido dos princípios do consagrado quarteto da bioética contemporânea – o princípio da justiça» (João Lobo-Antunes in Ouvir com Outros Olhos). O princípio da justiça é fundamental em todos os aspectos sociais e há muito a fazer para que ela seja efectiva.
Para que se concretizem os ideais de Abril, penso ser essencial que tenhamos consciência de algo que James Baldwin proclamou: «A liberdade não é uma coisa que pode ser dada a todo o mundo, é algo que se busca.» Prossigamos pois a nossa busca, a concretização de quanto sonhámos. Sim, Sebastião da Gama, tinhas razão – “Pelo Sonho é que vamos”.

Maria Dolores Gomes Parreira