Artigo:Participar ativamente na construção do saber

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Participar ativamente na construção do saber

Os 140 anos d’A Voz do Operário foram pretexto para uma conversa com Bárbara Ramires, Diretora Pedagógica da Escola da Graça, sobre tudo o que torna distinto esta instituição.

Sofia Vilarigues
| Jornalista |

A  primeira pergunta que se impõe, é: o que é que é singular no projeto educativo d’A Voz do Operário? 

Para Bárbara Ramires, “tem a ver com os pressupostos de inclusão, de cooperação, de olharmos para o indivíduo não como um aluno, mas como um cidadão, e ter assim uma formação mais ampla, uma formação para além do que são só os conteúdos programáticos”. Procura-se, também, que os alunos participem “ativamente na construção do saber”. E “é eles saberem que para nós sermos alunos d’A Voz do Operário, para sermos cidadãos d’A Voz do Operário, temos que ser cidadãos do mundo”.

Há um cruzamento com o Movimento da Escola Moderna. “Nós somos uma escola em que os princípios se cruzam com os princípios do Movimento da Escola Moderna”, diz Bárbara Ramires. “A Voz do Operário tem como princípios os mesmos pressupostos da autonomia, da cooperação, da inclusão que o MEM segue, mas depois adaptado ao que é A Voz do Operário”.

“Enquanto alunos que queremos uma escola de liberdade, enquanto comunidade que se une”

“As famílias participam muito no dia-a-dia” e há uma aposta em parcerias. Assim se tornam possíveis múltiplas atividades artísticas e atividades ligadas a direitos humanos, à cidadania e ao 25 de Abril, ao mar e ao ambiente… 

Estas atividades envolvem “desde a creche até ao segundo ciclo. Como, por exemplo, na creche há um contador de histórias. No pré-escolar há também uma parte ligada às histórias, que é um clube de leitura, e algumas aulas de expressão dramática, ou de dança. Uma das coisas que eu acho que nós conseguimos, em termos de projeto, é a cidadania ser desde a creche até ao segundo ciclo. No primeiro ciclo, que é onde a expressão é maior, também porque temos 180 alunos aqui na Escola da Graça, há várias atividades. Temos um professor de música, que faz ateliês com alguns alunos, mas são ateliês continuados, não é assim esporádico, há 45 minutos semanais com o professor de música e com o professor titular integrado, dentro do currículo. Há um professor de dança e um professor de yoga. Temos também, por exemplo, cerâmica. E uma pessoa ligada aos direitos humanos, que trabalha connosco, dentro deste projeto de troca de serviços, tem um espaço onde desenvolve a sua atividade de investigação e, ao mesmo tempo, participam nesta investigação duas turmas que estão a fazer um projeto com essa pessoa. Ela já está connosco há 5 anos. Ao longo do ano trabalham os direitos humanos e, normalmente, o trabalho culmina com uma sessão de debate aberta à comunidade e às famílias, em que os miúdos estão nas mesas a dinamizar”.

Há uma aposta na continuidade dos projetos. É o caso de um projeto ligado ao mar. “Nós temos um projeto com a Mútua dos Pescadores, suponho que este é o terceiro ano. Começámos por ter um projeto para conhecermos um bocadinho o que é uma Mútua. Para que serve, porque foi criada. Eles vieram cá conversar connosco, o presidente, que foi pescador. E, depois, a Mútua trabalha com artistas plásticos. Os pescadores quando trazem nas redes o lixo, o plástico, aquilo é entregue a esses artistas, que o lavam e vêm às escolas e com os miúdos constroem coisas. Eles construíram sardinhas com materiais que foram apanhados no mar. E esta foi a primeira parte do projeto. Fizemos uma exposição sobre isto. Depois passaram a fazer parte de uma brigada de limpeza de praias. E, na continuação disto, surgiu a questão de conhecermos as profissões ligadas ao mar. O ano passado estiveram cá várias pessoas, desde uma peixeira, um pescador, um biólogo marinho, um artista plástico, um surfista. Este projeto está ainda em desenvolvimento. Este ano a ideia é irem visitar mesmo uma traineira e irem às praias com algumas destas pessoas que cá estiveram. Normalmente estes projetos não são projetos que ficam presos a um ano. Tentamos que uma ou duas turmas, ou três, ou quando possível mais, consigam fazer um percurso de vários anos. Normalmente quando estão no primeiro ciclo conseguem ter estes quatro anos, ou depois alguns passam para o segundo ciclo. Fazem este acompanhamento e vão abordando cada vez de um modo mais profundo determinado tema”.

Há, também, celebrações. Como os 50 anos do 25 de Abril. “Temos já em cima da mesa uma exposição itinerante. Nós fizemos uma, no ano passado, sobre os 140 anos d’A Voz do Operário. Este ano será sobre os 50 anos do 25 de Abril. Cada escola vai fazer um trabalho, por valência, que seja um resumo dos vários temas que estão relacionados com o 25 de Abril. Esta exposição vai rodar as escolas todas. Sempre que a exposição muda de escola, há um grupo de uma escola que vai entregar a exposição à outra escola e conhecê-la, fazer este intercâmbio. Vamos participar no desfile da Avenida da Liberdade. Este ano mais organizados enquanto escola. Nós vamos sempre como escola, mas este ano a ideia é fazer aqui sessões de debate, conversas organizadas com os alunos, com as famílias, pais, alunos, avós e também com o centro de convívio dos idosos, fazermos aqui alguns momentos de discussão, do que é a liberdade, dos vários pontos de vista das várias idades. E, em conjunto, vamos fazer uns cartazes, uns pancartes para eles poderem levar para o dia do desfile, com frases suas, e uma faixa d’A Voz do Operário feita pelas famílias com os alunos. De alguma maneira reforçar que é importante participarmos nisto, enquanto alunos que queremos uma escola de liberdade, enquanto comunidade que se une. Vamos também ter aqui um concerto comemorativo, que está a ser organizado com a comissão geral do 25 de Abril, a organização dos festejos da cidade de Lisboa. Depois há todo o mês de Abril, que normalmente era uma coisa que nós já fazíamos, este ano vamos tentar fazê-lo mais e melhor, que é organizarmos algumas sessões de cinema relacionadas com o 25 de Abril, para várias idades, abertas à comunidade”.

 

O conselho de cooperação educativa é sempre o elemento-chave 

A participação é palavra-chave n’A Voz do Operário. Onde a cidadania se constrói a cada dia, a cada semana. 

“Nós acabamos por funcionar sempre em conselhos, em níveis muito diferentes”, diz Bárbara Ramires. 

“Temos um conselho que chamamos de conselho de escolas, onde se sentam todos os diretores pedagógicos de todas as escolas. Aqui da Graça, da Ajuda, do Restelo, e da Margem Sul, Lavradio, Laranjeiro e Baixa da Banheira. Neste conselho sentam-se o diretor-geral, os diretores pedagógicos e, com participação não sempre assídua, mas quando nós precisamos, um elemento da direção, que é do pelouro da educação. Neste momento é o Pascal Paulus que faz parte deste grupo. É o conselho que gere toda a instituição”.

Depois, logo a seguir a este conselho, existe o conselho coordenador, “onde estão os mesmos diretores pedagógicos, mas depois está o representante da área financeira, o representante da manutenção, o representante de… todos os serviços que tem A Voz do Operário”. 

Existe também um conselho pedagógico, um conselho de professores ou educadores e um conselho de não-docentes, monitores da ATL e auxiliares.

Há um outro conselho que é o conselho de representantes. “Que é o conselho onde está, neste caso na Escola da Graça, eu própria, um representante dos auxiliares e monitores e um aluno de cada turma (1º e 2º ciclos). Nós juntamo-nos de 15 em 15 dias e decidimos e conversamos sobre aspetos que têm a ver com espaços comuns. Biblioteca, centro de recursos, cantina, recreio”.

De onde é que vêm estas questões que cada representante vem trazer? “Vêm do conselho de cooperação educativa. O conselho de cooperação educativa acontece todas as sextas-feiras em todas as salas. Neste conselho de cooperação educativa faz-se a gestão da vida do grupo”. 

Há um instrumento que é o diário de turma, “que está nas paredes de cada uma das salas, em que os alunos e os adultos podem escrever coisas que gostam ou gostaram de fazer, que não gostam ou que não gostaram que lhes acontecesse, ou que gostariam que acontecesse, e propostas de coisas que querem fazer, alterações que querem fazer. Isso tem que ser discutido dentro daquele grupo”. 

Neste conselho, além de se fazer esta gestão da vida da turma, “faz-se também a gestão do percurso individual de cada um dos alunos, do plano individual de trabalho, que eles aqui chamam o PIT”. 

O conselho de cooperação educativa “é sempre o elemento-chave”. “E é longo, é sempre uma tarde para isto. E miúdos de 6 anos conseguem estar uma tarde inteira nisto, que é uma coisa que eu acho incrível. Claro que no início do primeiro ano ou num pré-escolar, que eles também fazem, não é uma tarde inteira, mas fazem um conselho mais curto e a planificação é diária”.

Texto original publicado no Escola/Informação Digital n.º 41 | Outubro 2023