Artigo:Panama Papers

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Panama Papers

Os “documentos do Panamá” dominam, desde domingo, a actualidade noticiosa. São mais de 11 milhões de ficheiros da base de dados da sociedade de advogados Mossack Fonseca, que denunciam esquemas de evasão fiscal, corrupção e lavagem de dinheiro, envolvendo 140 líderes políticos (entre os quais 12 atuais ou antigos chefes de Estado ou de Governo), milionários, artistas, futebolistas e mais de 200 mil empresas, incluindo bancos, em mais de 200 países.

Com sede no Panamá e filiais em 42 pontos do mundo, como Hong Kong, Miami e Zurique, a Mossack Fonseca é considerada a quarta maior firma no ramo de criação de empresas em territórios offshore. Há cerca de um ano, houve uma fuga de informação e os ficheiros recentemente divulgados, abarcando um período de quase 40 anos (1977-2015), foram enviados anonimamente para o jornal alemão Süddeutsche Zeitung, que os partilhou com  Consórcio Internacional de Jornalistas de Investigação (International Consortium of Investigative Journalists). Analisados por jornalistas de todo o mundo durante um ano, começam a ser divulgados desde domingo, 3 de abril, e os seus efeitos a nível político, económico e social são neste momento imprevisíveis.

Segundo o Público, “Calcula-se que circulem verbas entre os 8 e os 32 biliões de euros através de off-shores. [...] Isto é, cerca de metade do PIB Mundial. Chegaria para cumprir um dos (falhados) “objectivos do milénio” das Nações Unidas: reduzir para metade o número de pessoas que vivem com menos de um dólar por dia.”  

De acordo com o Público, que cita o jornal irlandês associado ao ICIJ, The Irish Times, nos documentos são mencionadas 244 empresas com sede em Portugal; os “clientes” residentes em Portugal são 23; os donos de offshores registados em Portugal são 34; e existe ainda a referência a 255 “accionistas” ligados ao nosso país. Acrescenta ainda que “No auge da crise portuguesa, em 2011, o Banco de Portugal dava conta de um curioso número: o investimento português directo no estrangeiro tinha aumentado 134%. A fuga de capitais, no nosso país, segundo as contas de Richard Murphy da ONG Tax Research, pode ascender a um quarto da riqueza nacional.”.

Para além da fuga a impostos, empobrecimento dos diversos países e enriquecimento ilícito, várias empresas que recorreram aos serviços da Mossack Fonseca estão a ser acusadas de fornecer combustível à força aérea síria, e associadas à venda de armas (por exemplo, à Coreia do Norte) e à escravatura humana e exploração sexual de mulheres.

Esta denúncia à escala mundial levanta várias questões. Como pode este esquema durar cerca de 40 anos sem ser denunciado e travado? Por que motivo a investigação é realizada pelos meios de comunicação social e não pelas forças policiais de cada país? Se a Mossack Fonseca é a quarta firma a nível mundial na criação de empresas em territórios offshore, que carteira de clientes e de negócios envolvem as atividades das empresas que ocupam os três primeiros lugares? Se a criação de offshores é uma estratégia usada por empresas, bancos e milionários em geral e é considerada, por princípio, legal, qual é o limite da sua atuação?  Como poderemos anular os paraísos fiscais e criar uma maior equidade tributária a nível mundial entre trabalhadores, empresas de maior ou menor dimensão? Após este momento de “euforia”, iremos assistir a uma tentativa de “abafamento” deste caso ou finalmente assistiremos a uma mudança concreta na política de combate à corrupção e à desigualdade social?

A divulgação destes dados põe a nu a enorme dificuldade de pôr termo a esta situação e revela a facilidade com que os mais influentes conseguem enriquecer, contornar as leis de cada país, colocando o seu dinheiro em paraísos fiscais, onde a sua fortuna continua a aumentar, praticamente isenta de impostos ou controlo, enquanto que o trabalhador comum ou mesmo um empresário vê os seus rendimentos fortemente reduzidos por impostos diretos.

Estes e outros documentos que revelem situações semelhantes devem ser tornados públicos e a justiça deve agir exemplarmente, de modo a que todo este processo seja consequente.

Os governos e o sistema judicial têm de criar mecanismos internos e à escala mundial de combate à corrupção de forma efetiva e sistemática, caso contrário, correm o risco de verem esvaziadas as suas funções e de se descredibilizarem cada vez mais aos olhos dos cidadãos, que não se veem representados, nem protegidos.

António Avelãs