Outras guerras — cem anos de guerra e resistência
Rashid Khalidi, historiador palestino-americano do Médio Oriente, professor de Estudos Árabes Modernos na Universidade de Columbia, em Nova Iorque, é autor do livro traduzido em português Palestina - Uma Biografia, Cem anos de guerra e resistência.
Em entrevista recente conduzida por Mário Rui Cardoso, no programa da Antena 1 Visão Global, declarou que os palestinianos que vivem nos territórios ocupados por Israel estão sujeitos à violência e ao racismo dos colonos e das forças de segurança israelitas e que o regime colonial quer expulsá-los, considerando o país inteiro terra de Israel, na qual apenas um povo tem direitos — o povo judeu.
Ao cabo de cem anos, o problema continua por se resolver porque, como Khalidi tenta explicar no livro, tem sido mal compreendido. O confronto não é apenas entre dois povos: é uma guerra dirigida contra o povo palestiniano.
Este conflito nasce com o apoio ao Sionismo, primeiro pela Grã-Bretanha e depois, entre outros poderes, pelos Estados Unidos. Os israelitas expulsaram mais de metade dos palestinianos da Palestina, na limpeza étnica de 1948 — que os palestinianos chamam Nakba —, que continua de formas diferentes até hoje. Enquanto esta situação não mudar, haverá guerra na Palestina
Khalidi relembra que Israel é um dos países mais prósperos do mundo e os israelitas vivem de forma confortável e imune ao que se passa nos territórios que ocupam e oprimem. Essa opressão, num contexto em que não há horizonte político, só conduz a mais tensão, mais raiva e mais violência.
Shirin Abu Akleh, jornalista da Al Jazeera, muito conhecida no mundo árabe, foi assassinada por militares israelitas, quando fazia a cobertura de mais uma incursão de Israel num campo de refugiados em Jenin, na Cisjordânia, apesar de estar devidamente identificada. Israel apresenta-se como um país normal, um paraíso de alta tecnologia, um sítio onde se pode ir de férias, e não quer ser visto como um ocupante brutal, responsável pela ocupação mais duradoura da História moderna. Para que essa mensagem não passe, os jornalistas palestinianos são atacados selvaticamente. Mais de quarenta foram mortos nos últimos vinte anos e as instalações de vários jornais palestinianos de Gaza foram bombardeadas e destruídas no último ano.
Khalidi salienta que a resistência palestiniana não tem a mesma atenção nem a mesma aceitação que a resistência ucraniana. Nos media ocidentais vemos reportagens elogiosas sobre mulheres ucranianas a preparar coktails molotov para serem utilizados contra os ocupantes russos. Por alguma razão não há o mesmo tipo de atenção encomiástica em relação aos palestinianos que atiram pedras e depois são mortos pelas forças de ocupação israelitas.
A resistência palestiniana é vista como terrorismo, a resistência ucraniana é vista como heroísmo. A Ucrânia está a ser atacada e partes do território ucraniano estão a ser ocupadas há dezassete meses. A Cisjordânia, a Faixa de Gaza e Jerusalém estão sob ocupação há cinquenta e seis anos. Há dois pesos e duas medidas. O colonialismo e as atrocidades de Israel são relativizados e aceites.
Rashid Khalidi congratula-se com as reacções ao seu livro e com as catorze edições em onze línguas. Talvez porque as pessoas tenham agora mais abertura em relação à Palestina, o livro tem tido óptima aceitação. Khalidi espera que os portugueses, que tiveram um grande império colonial no passado, tal como os espanhóis, os franceses ou os ingleses, e em princípio terão reflectido sobre essa experiência histórica, possam perceber melhor alguns aspectos deste livro.
Francisco Martins da Silva