Os “exames de cruzinhas” vieram para ficar.
Na sua edição de domingo, dia 18 de dezembro de 2022 o Público num artigo de Elisabete Jesus, aborda a questão dos exames e provas de aferição e da forma como têm vindo a ser elaborados, nos últimos anos.
A autora revela neste artigo de opinião que têm vindo cada vez mais a predominar as questões de escolha múltipla, em todo o tipo de exames e provas. Considera mais grave ainda quando tal acontece em disciplinas onde se espera a valorização da capacidade de argumentar através da expressão escrita. Tal acontece em exames de Filosofia, História A, Português, por exemplo, o que pode querer significar que cada vez mais os “exames de Cruzinhas” vieram para ficar.
Afirma Elisabete Jesus: ”Na maior parte das provas, os itens/questões de seleção da opção correta foram aumentando, desde 2014, em número e em valor. Por exemplo, em História A, das cinco perguntas com pontuação de 0,5 valores cada, já se apresentam sete a nove de resposta fechada, e com aumentos de pontuação até aos 1,4 valores. É certo que o grau de complexidade das mesmas também se alterou, ainda que muitas vezes o aluno, mais do que mobilizar conhecimentos e competências específicas da literacia histórica a partir da análise de fontes/documentos, se veja num emaranhado de decifração linguística, em que nem sempre a opção correta, indicada nos critérios de correção, se assume de forma inequívoca”
“Vieram para ficar também em todas as outras provas de avaliação externa. Vejam-se mais alguns exemplos de 2022: a Prova de Aferição de História e de Geografia (8.º ano) e a Prova Final de Português do 9.º ano (1.ª fase), Exame Nacional de Geografia A, Exame Nacional de História da Cultura e das Artes. Na Prova de Aferição de História e de Geografia, no total das 15 questões, apenas uma solicita ao aluno que escreva, dando-lhe aquela nove linhas para o efeito. Na Prova Final de Português, só quatro das 12 perguntas destinadas à interpretação de texto (literário e não literário) eram itens que implicavam a elaboração de um pequeno texto-resposta, posteriormente classificado em termos de conteúdo e de correção linguística. Nesta mesma prova, todas as questões de interpretação oral e de mobilização e aplicação de conteúdos gramaticais constituíam itens de seleção.”
Torna-se então evidente concluir que o IAVE tem vindo a criar um modelo de avaliação em que as questões abertas ao desenvolvimento da escrita são cada vez menos. Assim, torna-se difícil promover melhorias de aprendizagem, no domínio da escrita, quando os mecanismos de diagnóstico são insuficientes e, assim, se compromete o grande objetivo da avaliação. E, apesar das escolas e dos professores terem na teoria relativa autonomia para construir os seus percursos de aprendizagem e a respetiva monitorização ou avaliação, é certo que aquele modelo, vindo de cima, exerce uma grande influência no tipo de exercícios usados nos diversos instrumentos de avaliação formativa e sumativa.
Se tivermos em consideração as sucessivas reestruturações curriculares das últimas décadas, em que certas disciplinas foram perdendo tempos letivos, como a História no 2.º e 3.º ciclos e a Filosofia no ensino secundário, conseguimos compreender que professores, com cerca de uma dezena ou mais de turmas, se vejam compelidos a optar sobretudo por aquela tipologia de questões nalguns dos seus instrumentos de avaliação formal para poderem, em tempo útil, aplicar e validar.
Torna-se assim fácil, reconhecer que as atividades que trabalham e avaliam as competências de expressão escrita têm vindo a diminuir, ao longo do percurso escolar dos nossos alunos, no ensino básico e no ensino secundário, com os efeitos a sentirem-se já no seu desempenho ao nível do ensino superior e até no mercado de trabalho.
Porém, os ventos não trazem sinais de mudança a este cenário. As recentes notícias da prestação de provas de avaliação externa numa modalidade completamente digital confirmam a manutenção dos “exames de cruzinhas”, uma vez que as respostas abertas continuam a ser, atualmente, uma das limitações das plataformas digitais, pela impossibilidade de criarem cenários de resposta inequívocos. Se, num primeiro momento, a reação às notícias passa pela preocupação e por alguma descrença relativamente à exequibilidade do processo de implementação, considerando os conhecidos (e sobejamente noticiados) constrangimentos técnicos das escolas, importa também refletir sobre os ganhos (economia de recursos materiais e humanos) e sobre as perdas para a qualidade das aprendizagens que aquele tipo de exames imprime às escolas. Estas provas acabam por ter um efeito radiante, acelerado por todo o processo em curso de digitalização da educação, que nem sempre satisfaz os saberes específicos das disciplinas nem os alunos.
Um estudo elaborado para a Comissão Europeia, em 2017, sobre práticas de avaliação para o século XXI, prevenia precisamente para o facto de ainda não estarem difundidas nem ferramentas nem práticas tecnológicas que permitissem avaliar a capacidade de resolver problemas, o pensamento crítico e a criatividade.
Até lá, teremos gerações cujo referencial de avaliação externa lhes vai condicionando o caminho para um desenvolvimento integral.
Preocupante e pertinente! E que tal pensar um pouco sobre isto!!
Ana Cristina Gouveia