Onde pára o Batman?
Joker ganhou em 2016 e ameaça revalidar a conquista perante um adversário com aparência de “mal menor”. Mas o que significa realmente as eleições nos EUA para o Mundo?
Joker é um personagem que tem o condão de entender o mal e de saber arregimentá-lo em seu benefício, produzindo o caos à sua volta, colhendo no processo- ele, os seus comparsas e admiradores- uma dose significativa de proveito e/ou gozo. É, pela sua exposição mediática, uma fonte de inspiração para todos aqueles que vêem na política uma oportunidade para minar a Democracia e se servirem dos poderes públicos em proveito próprio.
Joker é permanentemente acompanhado pelos media ansiosos por novos e suculentos pedaços de notícias desde os anos 80 do século passado; criou em parte as águas em que agora se move, conhecendo muito bem as leis que as regem.
No debate político, não hesita em adotar uma postura de lutador de wrestler, “bulizando” os seus adversários, fazendo descer o nível para as cotas em que chafurda habitualmente, na calúnia, no insulto, na difamação. Joker perverte o uso do riso para achincalhar os seus adversários para gáudio da brutalidade que o adula, fazendo-a medrar, ganhar confiança, ousar sair à rua em pleno dia ou noite para alvejar e atropelar manifestantes pacíficos, inclusive, pasme-se, pela mão de polícias incapazes de refrear o próprio entusiasmo racista em frente de câmaras.
Não pensa lá muito, age no momento, improvisa amiúde, tem faro, kliller instinct, e, apesar de ter nascido rico, é delirantemente encaixado na condição de self-made man. Não nos admiraria que as observações psicológicas da sua sobrinha, que tão escandalosamente expôs o ninho da serpente em que foi gerado, fossem entendidas como provações heroicamente ultrapassadas pela excelsa criatura, qual Cristo no deserto.
Parecendo adivinhar a natureza pimbo-religiosa da adoração da mole de gente estúpida e ignorante, Joker não hesitou em pegar na Bíblia em frente às câmaras, junto à capela da Casa Branca, num gesto amplamente televisionado, mostrando assim o propósito de todas as suas ações e a razão da sua existência: Deus. Claro que, historicamente falando, o mesmo Deus das Cruzadas e da Inquisição, o mesmo que se foi invocando, também, no decurso do genocídio implacável dos índios norte-americanos ou da escravidão de milhões de negros.
Mas Joker é, também, um aclamado rei e líder do crime, capaz de melhorar em muito as condições de sucesso dos seus congéneres, a nível nacional e internacional, elogiando o terrorismo de Estado chinês contra os uigures, apoiando facínoras como o Bolsonaro e tendências anti-democráticas europeias, diminuindo o poder de acção das Nações Unidas, minando os acordos de limitação das alterações climáticas, desmantelando o Obamacare e todo um conjunto de regulamentos de protecção do ambiente.
Joker expõe, ostenta, converte as suas misérias e falhas morais em autênticas bandeiras que fazem ulular de satisfação certas massas: assédio sexual, chantagem sobre países estrageiros, pagamentos a prostitutas, fuga aos impostos, etc., tornam-se, na cabeça dos que o seguem e nele acreditam religiosamente, episódios da vida dum autêntico cowboy americano injustamente perseguido por socialistas e comunistas incapazes de verem a grandeza bíblica deste enviado do Senhor.
Em nome do qual, também, os EUA evangélicos e neoliberais, foram criando um caldo de cultura assente na ignorância e na insegurança económica de grande parte da sua população, por via do desmantelamento do Estado Providência e das leis laborais que protegiam os cidadãos, em que o normal é ter-se vários empregos para poder pagar as contas, trabalhando treze ou catorze horas por dia.
E o desejável será toda a gente ter uma arma, abençoada por Joker.
João Correia