Artigo:O S.TO.P e o movimento sindical docente

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O S.TO.P e o movimento sindical docente

Em 1988, se bem me lembro, quando me encontrava em Roma a concluir uma investigação, despontou um movimento autodenominado COBAS, iniciais de Comitati di Base (Comités de Base), que lançou uma ofensiva contra os sindicatos de professores italianos, integrados em confederações sindicais, através de um conjunto de greves selvagens com vista a «superar» o que consideravam ser uma cumplicidade institucional com os poderes de turno que traíam e punham em causa as «justas» reivindicações dos professores relativamente a diversos aspetos da sua carreira.

Passados 34 anos, os resultados conseguidos por este movimento que se definia a si próprio como o representante da rutura com o “sindicalismo oficial” foi uma espantosa regressão da carreira docente em Itália. A progressão na carreira na nação transalpina baseia-se atualmente num sistema de pontos: aos professores que conseguirem obter uma determinada pontuação abre-se a perspetiva de vinculação ou estabilização na carreira e salários condignos. Em contrapartida, os outros são relegados para uma situação de eternos precários, mal pagos e sem quaisquer direitos, até, para alguns se não muitos, sem direito à retribuição. Face ao enfraquecimento do movimento sindical docente italiano, para o qual o COBAS deu um importante contributo, inúmeros docentes italianos estão dispostos a apresentar uma candidatura espontânea, designada por Mad, em que, na prática, se comprometem a trabalhar gratuitamente para poderem preencher os requisitos mínimos de tempo de serviço que lhe permita a desejada estabilização. A jornalista Chiara Sgreccia, num artigo significativamente intitulado «Professores precários por um punhado de pontos», publicado pelo semanário italiano L’Espresso (21/8/2022), entrevistou um destes candidatos: «“Mandei – diz o professor – «uma centena de Mad mas a única escola que me chamou foi aquela para a qual trabalhei gratuitamente, diz Marco, nome fictício de um docente precário de trinta anos, licenciado em filosofia, para o proteger de eventuais retorsões.» É verdadeiramente uma loucura (Mad)…

A situação deste professor seria provavelmente muito diferente se o sindicalismo docente italiano não estivesse fortemente debilitado. A primeira etapa deste debilitamento foi precisamente o COBAS. Quando numa entrevista ao DN ouço, o dirigente do S.TO.P, agora intitulado Sindicato de Todos os Profissionais da Educação – esqueceram-se provavelmente de acrescentar um ‘E’ à fórmula original –, André Pestana, afirmar que, quando fundou com outros ex-militantes do BE o MAS, pomposamente intitulado Movimento Alternativa Socialista, tinha como “uma das linhas mestras, a separação total dos sindicatos” com o argumento de que estes estavam submetidos a um controlo político que punha em causa a «autonomia» e liberdade de decisão dos professores. «Quem decide as lutas dos professores são os professores e quem decide são os professores e não o sindicato» (DN, 2/1/2023).

O apelo às «bases» em nome de uma pretensa autonomia de decisão é, como aconteceu com o COBAS italiano, uma das primeiras formas de manipulação política com vista a tentar «deslegitimar» o papel dos sindicatos e, em última instância, a destruir o movimento sindical, em nome de um populismo com fortes afinidades com os apelos diretos à dessindicalização que correm pelas redes sociais, fenómeno a que seguramente não devem ser estranhos movimentos de direita e extrema-direita que, finalmente, encontram uma oportunidade há muito esperada para destruírem o movimento sindical. Não digo que André Pestana esteja envolvido diretamente nesta infame campanha, mas não tenho dúvidas que os seus métodos, em que predominam greves intermitentes ou greves «self-service» com uma forte componente anti-institucional, contribuem objetivamente para transformar o sindicalismo docente no «inimigo», em suma, no alvo a abater, pois, finalmente, chegou a hora dos professores decidirem por si próprios, de acordo com uma espécie de «euforia reivindicativa» resumida pela fórmula lapidar «agora é que vai ser.», como afirma perspicazmente o professor da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra António Casimiro (Público, 27/12/2022). Além disto dão argumentos ao Ministério da Educação que ao que tudo indica se prepara para pôr em causa o direito à greve, o que é totalmente inaceitável e contribuirá apenas para intensificar ainda mais o atual conflito.

Admitindo que o S.TO.P conseguiu capitalizar o descontentamento dos professores perante uma inaceitável proposta de regime de concursos e de mobilidade docente que coloca nas mãos dos diretores que já desfrutam, graças ao atual modelo de gestão, de um enorme poder, a minha longa experiência como dirigente sindical revela-me que uma parte considerável da massa de manobra do «populismo sindical» do S.TO.P são precisamente não apenas muitos professores não sindicalizados, mas também entre estes os que se vangloriavam quando os dirigentes sindicais do SPGL, como eu e outros colegas vão às escolas, de não quererem sindicalizar-se. Uma parte destes não fazia greves como ouvi alguns, pois dizem que «os sindicatos não fazem nada por nós», esquecendo, porém, que estes nada podem fazer pelas pessoas quando estas não têm também a iniciativa de fazer algo por si próprias. Alguns e algumas afirmam convictamente a sua recusa em sindicalizar-se: «Não sou sindicalizada – diz uma professora – nem nunca fui», faz questão em sublinhar como se tal fosse um grande motivo de orgulho, para rematar que «sempre olhei para os sindicatos com desconfiança, por acreditar que existe uma agenda política por detrás das suas ações» (DN, 2/1/2023). Ignora provavelmente que André Pestana e a extrema-direita têm também uma agenda política cujo principal ponto é a tentativa de descredibilização do movimento sindical e mesmo, no caso da direita e da extrema-direita, a sua destruição. Eis a razão pela qual o movimento sindical docente e, com especial destaque o SPGL, com mais de 40 anos de existência e de provas dadas na defesa da classe docente, está, neste momento difícil numa encruzilhada. Das duas uma: ou consegue dar a volta por cima a esta situação extremamente grave ou estará condenado a um processo de erosão que deixará os professores completamente desprotegidos perante os poderes instituídos, como de certo modo já acontece na Itália contemporânea. Repare-se que o movimento sindical docente desfruta das maiores taxas de sindicalização em Portugal, o que põe em causa as teses dos que defendem que os sindicatos docentes não fazem nada para melhorar as perspetivas e os direitos de todos os professores, não apenas dos sindicalizados, mas também dos não sindicalizados. Supondo, por exemplo, hipótese extrema, que os sindicatos docentes desaparecerão da cena política com quem irá negociar o Ministério da Educação que numa estratégia politicamente suicida faz o jogo do «populismo» pseudo-sindical do radicalismo de esquerda e de direita? Com o S.TO.P de André Pestana ou com o Chega de André Ventura? Eis uma questão sobre a qual o sr. ministro da Educação do governo do Partido Socialista deveria urgentemente refletir, em vez de se deixar submeter à pressão e de fazer o jogo dos que querem limitar o direito à greve constitucionalmente garantido.   

Joaquim Jorge Veiguinha