Artigo:O regresso da barbárie

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O regresso da barbárie

No Expresso de sábado, 13 de maio, num artigo de opinião de Daniel Oliveira refere-se “O número de crianças empregadas nos EUA, em violação da lei, aumentou 37% só no último ano e 69% desde 2018.”

Justificando esta perspetiva, o jornalista refere igualmente alguns exemplos: “a Packers Sanitation Services, um dos maio­res fornecedores de serviços de saneamento de alimentos dos EUA, pagou 1,5 milhões de dólares em multas por empregar ilegalmente 102 menores, a limparem frigoríficos em turnos noturnos e a usarem produtos químicos para limpar “serras afiadas”. A Packers trabalha para alguns dos principais produtores de carne e aves do país. Três das crianças sofreram acidentes laborais, uma com queimaduras com produtos químicos. No Alabama, uma fábrica de peças para automóveis ligada à Hyundai foi obrigada a deixar de empregar jovens de 13 ou 14 anos. Há miúdos de 14 anos a trabalhar na construção civil e adolescentes com 15 a fazer turnos de 14 horas ou horários de 12 horas diárias.”

Nos EUA os republicanos, na sua campanha pelo trabalho infantil, seus financiadores bem como grupos ligados à indústria, defendem agora esta situação. Lá, como cá, o fim da pandemia aqueceu a economia e diminuiu o desemprego. Para manter os salários baixos tornou-se necessário manter a imigração ilegal (sem direitos) e empregar crianças.

Para as famílias aceitarem o regresso ao passado, considera-se que têm de viver num limiar abaixo dos mínimos de sobrevivência. A fome tornou-se um regulador de mercado. Como a direita defende por cá, é preciso cortar os apoios sociais para os pobres. Pelas nossas terras, para obrigar desempregados a aceitarem trabalhar pelo mínimo. Nos EUA, que vão sempre à frente, para obrigar a prole dos mais pobres a produzir.

E continua a afirmar Daniel Oliveira: “Acredita-se que combatemos a miséria com o crescimento económico e o desenvolvimento tecnológico. Ajuda muito, é óbvio. Mas, ao mesmo tempo que tememos pelos empregos que a inteligência artificial roubará, o trabalho infantil regressa a uma das economias mais prósperas do mundo, porque uma criança ainda é mais barata do que uma máquina para trabalho muito desqualificado. Em 1930, Keynes previu que, graças à tecnologia e à produtividade, trabalharíamos 15 horas por semana daí a 100 anos. Entre 1929 e 2000, o PIB per capita no Ocidente multiplicou-se entre quatro a seis vezes, mas o número de horas de trabalho semanal caiu apenas de 47 para 42 para os homens e para 39 para as mulheres.”

“Não chega produzir para distribuir. Só se distri­buem recursos quando se distribui poder. Sindicatos, revoltas, greves, medo de revoluções que tirem tudo a quem não quiser pagar o salário justo ou pagar impostos para garantir saúde, escola, férias pagas, subsídio de desemprego, apoios sociais... Quando o medo desaparece, não há imperativo moral que ponha travão à exploração. Não há capitalismo generoso, há capitalismo temeroso. Dando a ilusão de vivermos no futuro, a tecnologia é usada para regressar ao passado, impondo o trabalho à jorna e quase escravo nas plataformas digitais. Porque o fim da crueldade humana não nasce da consciência moral ou do desenvolvimento das máquinas, como a guerra em todos os tempos nos ensina. Nasce dos limites ao poder do mais forte.”

E termina o comentador de forma contundente, mas pertinente…

Tirámos os limites ao capitalismo. Esperemos a barbárie! E que tal, pensarmos nisto!

Ana Cristina Gouveia