O que levamos na mochila
Quanto pesa a nossa vida?
Imaginemos que levamos uma mochila às costas. Sintamos as alças nos ombros. Metamos na mochila as coisas que possuímos. Comecemos pelas bugigangas pequenas, o que enche prateleiras e gavetas, bibelôs e objectos de colecção. Sintamos o peso a acumular-se. Prossigamos com as roupas, pequenos electrodomésticos, candeeiros, lençóis e toalhas. A televisão.
A nossa mochila já está bem pesada. Mas ainda faltam as coisas maiores: sofá, mesa da cozinha, cama e, claro, o carro. Ah, não esqueçamos a casa, seja ela um estúdio ou uma moradia de muitos quartos.
Enfiemos tudo na mochila.
Agora, tentemos andar. Difícil, não? Mas é isto que fazemos a nós próprios diariamente. Carregamo-nos até não conseguirmos mexer-nos. E não tenhamos ilusões, movimento é vida.
Incendiemos a mochila. Desejamos fotografá-la antes? Fotografias são para quem não sabe recordar. Deixemos mas é arder também as fotografias.
Imaginemo-nos a acordar amanhã sem nada. Que imagem estimulante.
Agora, façamos a experiência com pessoas. Enchamos a mochila com pessoas. Comecemos pelos conhecimentos casuais, amigos de amigos, colegas do escritório. Depois, passemos às pessoas a quem confiamos os segredos mais íntimos. A seguir, primos, tios, irmãos, pais, filhos. E, por fim, o cônjuge ou alguém por quem se esteja enamorado. Meta-se esta gente toda na mochila… Não, não lhe peguemos fogo, desta vez. Em vez disso, sintamos-lhe o peso. Sim, as relações são o que pesa mais na nossa vida. Sentimos as alças a enterrarem-se nos ombros? Todas as negociações, discussões, segredos e cedências… Precisamos de carregar todo este peso? Por que não pousamos esta mochila?
Alguns animais foram feitos para se carregarem e viverem simbioticamente a vida inteira — amantes malfadados, cisnes monógamos. Podemos achar que não somos animais desses e que quanto mais devagar nos movemos, mais depressa morremos.
Mas não, não pousamos esta mochila. Nela está quem nos acompanha quando os momentos são importantes. E esses momentos são importantes também por estarmos acompanhados. A vida é melhor com companhia.
Este texto resulta de algumas falas do filme Nas Nuvens (Up in the Air, no original), de Jason Reitman, com George Clooney… Sim, concordo, este actor descende de longa e ilustre linhagem de canastrões, é só boquinhas e tiques. Mas, neste filme, faz uma personagem que tem a virtude de nos confrontar com o essencial da vida. E, isso, nunca é demais.
Francisco Martins da Silva