Artigo:O poder transformador da música

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O poder transformador da música

 

“Música na Educação: Inclusão na pluralidade” foi o tema do XVII Encontro Nacional da APEM 2023, realizado nos passados dias 15 a 18 de novembro. Da riqueza das comunicações, aqui damos uma breve perspetiva, com referência a investigação e alguns dos múltiplos projetos apresentados. Muito mais ficaria por dizer.

 

Lígia Calapez e Sofia Vilarigues
Jornalistas

A temática que selecionámos este ano para o nosso Encontro Nacional visa colocar em primeiro plano as dimensões ética, política e das práticas pedagógicas que a Música na Educação integra quando falamos na sua potencialidade para a promoção da inclusão”, afirmou Manuela Encarnação, Presidente da Direção da APEM, na sinopse do encontro(1), acrescentando que o “conceito de inclusão ligado à música reforça o papel da música como ferramenta para promover a inclusão social e cultural em diversos contextos e comunidades no refortalecimento da democracia e do bem-estar”.

Durante o encontro, Manuela Encarnação apresentou um novo projeto da APEM, o Cantar Mais Liberdade, que se integra nas comemorações dos 50 anos do 25 de Abril. Resultado de uma candidatura a “um programa da DGARTES, chamado Arte e Democracia, a que concorremos e ganhámos”. “Numa frase podemos explicar que o objetivo do projeto Cantar Mais Liberdade é a vivência e a reflexão dos ideais do 25 de Abril nas escolas, a partir da criação e composição coletiva de novas canções, com cantautores em residências artísticas”, considerou.

O Vitorino é o curador deste projeto, que reúne “três turmas de segundo ciclo, em três escolas, que vão receber três cantautores de gerações e estilos musicais diferentes, para criarem três canções, sempre acompanhados também do professor de música dessas escolas”. Essas canções, “com outro repertório também, vão ser depois apresentadas num grande concerto comemorativo no Fórum Lisboa, no dia 26 de maio de 2024”. As canções ficarão disponíveis no Cantar Mais.

 

Pluriversidade e inclusão

“Eu, pessoalmente, não espero que a música salve o mundo. Mas acredito que projetos como estes, que estão a ser mais e mais desenvolvidos em diversas partes do mundo, podem ser vistos como modelos interessantes para aprender, no sentido de que estão realmente a tentar chegar a uma compreensão de cada um dos diferentes mundos”. Lukas Pairon, fundador da plataforma internacional SIMM (Social Impacts of Music-Making) e cocriador da primeira cátedra académica sobre ação social e produção musical (CESAMM / Chair Jonet) nas universidades de UGent e HOGENT, falava assim de pluriversidade e projetos musicais participativos. Prefiro “usar o termo pluriversidade em vez de diversidade, porque pluriversidade faz pensar numa multidão de realidades em diferentes níveis e perspetivas do nosso mundo, económico, social e cultural. Eu também sonho com um mundo que possa ser composto de uma multidão de mundos, um mundo sem uniformidade”.

Os projetos sociais de música participativos representam “um campo de prática social que frequentemente adota essa perspetiva de abraço de diversidade de participantes, que vêm de diferentes situações económicas, sociais e culturais”. 

Lukas Pairon apresentou três projetos, entre os diversos existentes. Os Ledebirds(2), da Bélgica, que se dedicam a “todos os tipos de música, todos os instrumentos. Os participantes vêm de diferentes origens e situações de vida. A orquestra toca música de diferentes géneros, mas geralmente baseada em improvisações”. A escola do Edward Said National Conservatory of Music(3), que reúne “crianças de toda a Gaza para a experiência de fazer música”, e que agora está naturalmente parada. E o projeto Beta Mbonda, da Républica Democrática do Congo, uma banda de percussão, cujos músicos foram membros de gangues violentos, e que “podem tocar música de quase todas as diferentes regiões do seu país”.

“Perspetivas críticas em Educação Musical” foi o tema da comunicação de Graça Mota, atualmente investigadora sénior no Centro de Investigação em Psicologia da Música e Educação Musical, e cuja ideia de fundo é de alguma modo sintetizada numa frase lapidar: “Nestes tempos terríveis que vivemos, parece-me ainda mais imperativo abrir espaços de diálogo no sentido de caminhar para a construção de uma aprendizagem musical relacionada com a confiança e a empatia entre alunos e professores. E também, por essa via, conceber a formação de professores de educação musical na perspetiva da promoção de um ativismo social e de uma consciência crítica que promova a diversidade, a equidade, a inclusão e práticas artísticas não opressivas”.

Numa perspetiva crítica quanto à educação musical e à formação de professores e de valorização do papel da investigação nessa mesma formação, Graça Mota sublinhou ideias como a “necessária presença da democracia no contexto da educação artística, na medida em que precisamos de estar atentos à expressão da voz dos jovens alunos”. Ou o conceito de compaixão musical “como entusiasmo partilhado”.

Partindo da questão – “como poderemos cultivar a curiosidade, a imaginação, a capacidade de trabalho e o pensamento crítico?” – considerou que um trabalho “centrado em projetos representa exatamente essa possibilidade de criar espaços de discussão e controvérsia que fortalecem e questionam as crenças culturais, sociais e políticas dos estudantes”.

Concluiu com uma nota sobre um projeto de investigação que aborda os 30 anos do ensino profissional de música em Portugal e o seu papel na inclusão sociocultural(4).

 

Inclusão pela arte e investigação-ação

“As crianças chegavam cansadas de uma semana exaustiva, algumas não tinham dormido bem, e muitas vezes começávamos aula com uma sessão de alongamentos, por exemplo”. Uma das histórias relatadas por José Duarte Silva e Marija Mihajlovic Pereira, respetivamente professores de violoncelo e de violino, da Orquestra Geração – Santa Casa da Misericórdia de Lisboa (OG-SCML)(5), numa comunicação em torno de “Os relatos de experiência docente”. 

Uma história a que se somaram outras. Como, por exemplo, a de um menino que chegou, querendo “partir tudo”. “Conseguimos convencê-lo a sentar-se e a contar-nos como tinha sido o seu dia. (…) Um dia, do nada, recebemos um grande abraço dele”. Atualmente, “está sempre pronto a ajudar. E, na orquestra, é um músico exemplar”. 

Testemunhos concretos que falam do que é o trabalho de um professor de música na Orquestra Geração (“Neste contexto, o professor pode ser considerado também como amigo. Que nós tentamos ser”). De um trabalho em que, passo a passo, se vai promovendo o espírito de grupo, desenvolvendo a capacidade de superar desafios. Priorizando o acolhimento e a colaboração.

Uma aposta – com resultados significativos – no poder transformador da música e da arte.

“Uma nova perspetiva de educação musical”. Este o desafio apresentado por Ana Luísa Veloso, investigadora auxiliar no INET-md - Instituto de Etnomusicologia - Centro de Estudos de Música e Dança, no polo da Universidade de Aveiro, numa comunicação com o tema “O Som como Rizoma: Para uma Educação Musical que promova a diferenciação pedagógica e a pluralidade”.

Uma educação musical em que “a música seja olhada como uma atividade colaborativa e criativa, envolvendo a exploração, a experimentação e uma atitude aberta a todas as possibilidades, a música aberta a todos. A música como algo profundamente relacionado com a nossa vida, como um lugar com múltiplos percursos. A aprendizagem como um processo de diálogo centrada na escuta, na participação e no compromisso”.

Porquê Rizoma? À imagem do conceito biológico do rizoma, mas aqui de forma metafórica, “a ideia central é de algo que cresce de uma maneira horizontal e com várias possibilidades, por oposição a algo que cresce de uma maneira vertical, e num só sentido”. “Eu entendo o som como um contínuo sonoro de possibilidades infinitas, um contínuo que vai desde daquelas ramificações que nos são mais familiares, dentro da música erudita, do pop, do rock, do hip-hop, etc., até aquelas que nos são mais estranhas”, explicitou Ana Veloso.

Esta nova perspetiva de educação musical tem vindo a ser desenvolvida no quadro de dois projetos de investigação-ação. O projeto “Caçadores de Sons”, desenvolvido na associação “Vozes da Infância”, em Aveiro(6); e o projeto “Sononautas”, desenvolvido na associação “Sonoscopia”, no Porto(7).

 

(1) https://www.apem.org.pt/encontros/encontro-nacional/xvii-encontro-apem-2023/

(2) https://www.ledebirds.be/

(3) http://ncm.birzeit.edu/en/gaza

(4) https://epamusica.ese.ipp.pt/

(5) https://scml.pt/media/noticias/orquestra-geracao-os-filhos-da-musica/

     https://scml.pt/media/noticias/orquestra-geracao-adoro-tocar-foi-amor-a-primeira-vista/

(6) https://www.facebook.com/associacaovozesdainfancia/

(7) https://www.facebook.com/sonoscopia.associacao/?locale=pt_PT

Texto original publicado no Escola/Informação n.º 306 | nov./dez. 2023