O Medo
O tema do coronavírus ocupa, em exclusivo, as primeiras 21 páginas do “Público” de ontem (16 de Março). Mas até à última página, aqui e ali, o tema volta e impõe-se como dominante.
Na capa, os destaques para alguns artigos mais extensos que poderão ser lidos no interior do jornal:
- António Costa admite estado de emergência e espera por Marcelo
- Presidente convoca Conselho de Estado
- Perdas para a economia portuguesa podem chegar aos 4 mil milhões de euros por mês
- O sector da cultura paralisou
Mas, em especial, o ensaio “O Medo” do filósofo José Gil, nas páginas 4 e 5, merece um destaque e uma leitura atenta. Obrigatória.
Partindo da constatação que abre o artigo “O que vem aí ninguém sabe”, usa expressões fortes que não iludem a gravidade do momento que estamos a viver a nível planetário e individual: catástrofe, tsunami. O nosso medo do desconhecido é amplificado com a ignorância e com a confusão e as “certezas” de controlo que as instituições, as leis e o poder pensavam que detinham, caem como baralhos de cartas.
Esta crise sanitária do coronavírus é, segundo José Gil, “uma antecipação e um aviso do que nos espera com as alterações climáticas.” O que actualmente nos está a ser imposto e aceite por nós é um “auto-isolamento anti-social”, que nos confina numa “bolha”. O medo tem como efeitos encolher o espaço, suspender o tempo e paralisar o corpo. Ficamos na expectativa, tolhidos no medo do desconhecido. Há que recusar a passividade. Comunicar, mantermo-nos activos, informados, atentos à vida social, preocupados com os nossos semelhantes, sejam familiares, amigos, vizinhos. Romper a bolha sempre que possível. As canções, as palmas, os gritos de varanda para varanda das ruas de Nápoles são o sinal da nossa resistência, o antídoto ao silêncio opressivo das ruas desertas.
Esta crise está a pôr em evidência a nudez humana e tornou claro todo o sentido da globalização. Pôs os indivíduos e os povos em igualdade de circunstâncias e mostrou à saciedade a sua interdependência. No meio da adversidade, é possível retirar lições para o futuro e, quando este tsunami mundial passar, que os exemplos de coordenação transnacional entre cientistas e entre profissionais da saúde para derrotar este inimigo global, sejam utilizados na luta contra as alterações climáticas.
Que os líderes e decisores políticos e que cada um de nós retire desta crise global a conclusão que transcrevo da excelente reflexão de José Gil: “O medo não é uma atmosfera, é uma inundação. Como resistir, como desfazer ou pelo menos atenuar o medo que nos tolhe? Com mais conhecimento, sim, e mais informação, e mais entreajuda e racionalidade. Resta-nos, se é possível, escolher, contra o que nos faz tremer de apreensão e nos instala na instabilidade e no pânico, as forças de vida que nos ligam (poderosamente, mesmo sem o sabermos) aos outros e ao mundo.”
Almerinda Bento