O Mário Privado e o João Público
A pretexto da viabilização dos Estaleiros de Viana do Castelo, altamente patrocinado pelo então Ministro Aguiar Branco, nos tempos da Troika, Mário Ferreira, CEO da Douro Azul, comprou por 9 Milhões de Euros um navio que os mesmos estaleiros tinham avaliado em bastante mais. Mas era urgente, a Europa impunha e o Mário fez-nos o favor. Pouco mais de um ano depois, através de uma empresa sediada em Malta, o mesmo navio é vendido para a Noruega por 17 Milhões de Euros. Um clássico; o Estado terá sido lesado, o MP investiga, o Mário constitui-se assistente do processo e a coisa passa.
O João, de 33 anos, oncologista no IPO do Porto, SNS portanto, com um ordenado inadequadamente baixo e uma carga de trabalho completamente desajustada, está “esgotado”, como se diz por agora em Burnout, e despede-se.
Apesar de algo distantes no tempo, estas notícias de agora reflectem bem a diferença de procedimentos a que Estado e Privado estão sujeitos. Se ao Mário Privado lhe foi permitido beneficiar com as fraquezas e impossibilidades do Estado, ao João Público, essas mesmas amarras legais, impedem-no de continuar a desempenhar com dignidade e de plena saúde as funções para as quais se especializou.
Vivemos num tempo em que o Privado pode competir com o Estado, o que até é bem visto e tido como sinal de uma economia dinâmica, avançada e de futuro, tem todos os instrumentos ao seu dispor; a contratação, os despedimentos, os estímulos à produção, os prémios, a deslocalização, etc., mas o Estado não pode competir com o Privado pois conta com todos os impedimentos legais de que se soube blindar para que pouco ou nada possa fazer para se adaptar a essa mesma ecónomia global em que está inserido.
Essa é a grande reforma de que os Estados necessitam. Urge dotar a gestão do que é Público com os instrumentos que viabilizem a sua continuidade num mundo em mudança, sem desvirtuar.
Por agora, o Mário vai continuar a aproveitar pessoalmente as debilidades do Estado, porque pode, e o João vai trabalhar para uma empresa de um Mário qualquer, porque precisa.
Resta-nos esperar que o João perceba o que lhe está a acontecer.
Ricardo Furtado