Artigo:O “extremo-centro”, a extrema-direita e a ruptura

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O “extremo-centro”, a extrema-direita e a ruptura

Raquel Ribeiro
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Dirigente DESI |

O termo “extremo-centro” foi popularizado por Tariq Ali para descrever como partidos do “centro” adoptam políticas neoliberais e autoritárias, privatizando direitos, favorecendo elites económico-financeiras, e impondo austeridade contínua aos trabalhadores, degradando os serviços públicos. Estes partidos chamam de extremista ou utópico (na pior das hipóteses, ilegal) qualquer gesto que ponha em causa o consenso neoliberal. É a TINA - there is no alternative na sua forma acabada.

Perante a degradação das condições de vida como inevitabilidade e decorrência “natural” do sistema, é assim natural que se assista ao recrudescimento e consolidação de forças de direita que, agitando retóricas e práticas reacionárias, se apresentam disponíveis para uma ruptura com esse consenso como resposta ao declínio e empobrecimento em vários países europeus. Como fator de aceleração deste sentimento, a UE aparece aos povos da Europa como entidade omnipotente capaz de, em última instância, impor pela força a ordem liberal para lá de qualquer vontade, inclusive daquela expressa pelos votos.

Esse crescimento e consolidação tem expressão política e social e, independentemente de configurações institucionais, tem expressão eleitoral crescente. É reveladora a recente eleição no Reino Unido onde, apesar da vitória “esmagadora” dos Trabalhistas, pela primeira vez o partido Reform UK conseguiu eleger cinco deputados, obtendo a 3.ª maior votação (14,3%).

O mesmo se deu em França, onde independentemente da importante votação da Nova Frente Popular (Socialistas, Comunistas, Verdes e França Insubmissa, com um programa mínimo de recuperação de serviços públicos, mas extremamente heterogénea), não é já possível esconder a consolidação da extrema-direita de Marine Le Pen, que atingiu nas legislativas mais de 10 milhões de votos (37,1%). Se, tal como disse o economista Yanis Varoufakis, “Le Pen nunca seria forte se Macron não estivesse no governo a praticar o socialismo para muito poucos, para os ultra-ricos, e a austeridade para os demais”, então fica cada vez mais claro que, para quem queira disputar uma maioria social, é urgente resgatar esta promessa de ruptura no sentido da emancipação. Os povos da Europa gritam-nos por isso – estejamos à altura desse resgate. Não é o “extremo-centro” que empurra os europeus para a extrema-direita. É quem lhe nega uma alternativa que não passe pela enésima gestão “de esquerda” deste consenso neoliberal.

Texto original publicado no Escola/Informação Digital n.º 43 | julho/agosto 2024