Artigo:O estranho processo de “revisão” do ECIC e a Manifestação Nacional de Investigadores em Lisboa a 23 de outubro

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O estranho processo de “revisão” do ECIC e a Manifestação Nacional de Investigadores em Lisboa a 23 de outubro

João Cruz
| Dirigente do DESI - SPGL |

Os investigadores de ciência com contratos de trabalho (infelizmente uma percentagem grande destes ainda trabalha com contratos de bolsa …) com Instituições da Administração Pública portuguesa têm esses contratos regulados por um Estatuto que data de 1999. Chama-se Estatuto da Carreira de Investigação Científica (ECIC) e encontra-se em pleno vigor.

Logo em 2001 a FENPROF alertou o Governo para a necessidade de rever o texto do Estatuto e durante o XXI Governo Constitucional (PS, 2015-19) entregámos ao ministro Manuel Heitor um pedido formal de revisão. Este ministro nunca se deu ao incómodo de iniciar o processo de revisão mas não se inibiu de inventar, durante o seu mandato, uma figura profissional atípica à margem do Estatuto para permitir contratar investigadores por um preço mais baixo: referimo-nos ao “investigador júnior”.

Em Dezembro de 2023, com o Governo oficialmente em condição de demissionário, a então ministra Fortunato (PS) deu a conhecer à FENPROF o seu projeto de novo ECIC. Na altura avisou a nossa Federação de que apenas queria deixar o borrão do projeto na pasta de transição para o governo seguinte, que entraria em funções em Abril de 2024. Mas não foi assim: em Março de 2024, sem aviso prévio, levou o seu projeto ao Conselho de Ministros (também demissionário) e fê-lo ali aprovar. Em Junho de 2024, o Grupo Parlamentar do PS entregou uma réplica muito fiel deste projeto na Secretaria da Assembleia da República, com o intuito de ali ser discutida e aprovada como Lei. A FENPROF foi chamada pela Assembleia da República a pronunciar-se sobre este projeto, e fê-lo dentro do prazo.

Em Julho de 2024 o novo Ministério da Educação, Ciência e Inovação (MECI, o ministério do Governo AD que iniciou funções em Abril) apresentou à FENPROF um novo projeto de ECIC, desta vez da lavra do próprio MECI com base no documento que fora votado no Conselho de Ministros do PS três meses antes. Em Junho e Julho o MECI reuniu com a FENPROF duas vezes para discutir o seu projeto.

A mais recente versão do projeto ECIC do MECI foi enviada para a FENPROF a 21/07/2024 (domingo) e a reunião ocorreu no dia 24/07/2024 (quarta-feira). Dada a curteza deste intervalo, na reunião, a FENPROF apresentou oralmente a sua posição relativa ao documento escrito, bem como as suas propostas para o aperfeiçoar. O parecer escrito e detalhado da FENPROF foi remetido para o MECI alguns dias depois da reunião.

Esta versão do projeto de ECIC do MECI já inclui alguns avanços no sentido do que a FENPROF pugna, mas ao mesmo tempo ainda mantém extensos segmentos de articulado que são gravemente prejudiciais tanto para os trabalhadores que se encontram contratados como para os que vierem a ser contratados no futuro. A FENPROF afirmou que é impreterível usar-se o espaço negocial para se corrigir o projeto e, com essa correção, conseguir condições laborais minimamente justas para os Investigadores.

Merece especial atenção o facto deste projeto continuar a não incluir um Regime Transitório que permita, efetivamente, integrar na carreira os investigadores que já acumulam muitos contratos precários. Este é um dos problemas maiores do Sistema Científico e Tecnológico Nacional e que fica intocado pela nova versão do projeto. Dada a gravidade da lacuna, a FENPROF comprometeu-se em apresentar uma proposta de estrutura de articulado capaz de sanar aquela lacuna e incluiu-a, sob a forma de Termos de Referência para um Regime Transitório, no parecer que lavrou.

Houve oportunidade de deixar claro que existem ainda outros aspetos do projeto de ECIC que precisam de ser revistos, tais como i) a consagração do regime da dedicação exclusiva como regime-regra da contratação inicial para os investigadores (que o projeto não assegura), ii)  a revisão do mecanismo de avaliação do desempenho dos investigadores (que no projeto replica o que de mal acontece nos estatutos de carreira dos docentes das Universidades e Politécnicos) e iii) a necessidade de sanar o inextrincável requisito de as progressões obrigatórias só acontecerem se existir menção máxima na avaliação individual durante seis anos consecutivos.

Para além destes componentes prejudiciais, o projeto continua a propor uma norma grave que obriga os investigadores a lecionar aulas em Universidades e Politécnicos até ao limite de 4 horas por semana. Na prática esta norma equivale a forçá-los a executar trabalho letivo que é a atribuição dos professores daquelas instituições. Além de conflituar, a obrigatoriedade rasga a exclusividade da dedicação à investigação que é uma das garantias elementares da qualidade e da profundidade do trabalho cientifico. A FENPROF apenas concede que os investigadores possam lecionar aulas se tal for voluntário e facultativo, se tal não perturbar as condições laborais necessárias ao desenvolvimento do trabalho científico e se as aulas estiverem diretamente relacionadas com a investigação por eles desenvolvida. O trabalho forçado dos investigadores, ou o seu desvio para funções vizinhas, não pode ser uma via para disfarçar (e nunca resolver) a insuficiência de pessoal docente que é evidente nas Universidades e Politécnicos.

As propostas da FENPROF para aperfeiçoar o projeto foram entregues por escrito ao MECI em Agosto. O mês de Setembro passou inteiro sem notícias de qualquer avanço no Ministério. No início de Outubro a FENPROF pediu, por escrito, a continuação do processo.

Agora é urgente os Investigadores e os Docentes do Ensino Superior expressarem, ao vivo, as suas reais necessidades. Necessidades facilmente atendíveis, sublinhe-se.

A FENPROF programou uma Manifestação Nacional de Investigadores, em Lisboa, para 23 de Outubro. Divulga e participa. É preciso que todos compareçam.

Texto originalmente publicado no Escola/Informação n.º 309 | setembro/outubro 2024