Artigo:O direito à liberdade religiosa - Isabel Braga

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Hoje em dia, nas nossas escolas, não se pode dar um passo sem preencher um formulário, fazer um relatório, pedir autorização ao encarregado de educação ou publicar na página de internet da escola. Os professores, e sobretudo os directores de turma, estão atulhados em trabalho e burocracias, quantas vezes inúteis!

 Muitas vezes estamos tão cansados, que já nem paramos para pensar para que servem certas formalidades ou porque é que foram implementadas. Há, no entanto, muitas destas formalidades que fazem todo o sentido, sobretudo quando estão em causa os direitos, liberdades e garantias dos nossos alunos. A Constituição da República Portuguesa, os Direitos das Crianças, o Estatuto do Aluno e mesmo os Regulamentos Internos de cada Escola repetem os direitos fundamentais das crianças e jovens, para que ninguém se esqueça, e de forma a que sejam respeitados pelos diferentes agentes educativos.

 Não é portanto de estranhar, que se exija a identificação de um adulto que vai à escola falar com uma criança, ou que se peça autorização do encarregado de educação para um aluno participar numa visita de estudo.

 O que é inadmissível é que ainda hoje, nas nossas escolas, continuem a existir violações de leis fundamentais que protegem os direitos e liberdades dos alunos assim como dos seus encarregados de educação. Refiro-me em particular ao direito à liberdade religiosa e ao facto de continuarmos a assistir na escola pública a manifestações de carácter religioso, sem que se respeite o direito à diferença, à liberdade dos encarregados de educação e os direitos das crianças.

 No dia 15 deste mês (de maio) comemorou-se o Dia Internacional da Família e, na escola onde trabalho, estava agendada e aprovada pelo Conselho Pedagógico uma actividade sobre o tema, para as turmas do 5.º ano. O que eu não sabia era que o senhor Padre era o convidado especial.

 Os alunos tinham preparado umas canções nas aulas de Educação Musical e todos os alunos das turmas do 5.º ano participaram. De seguida, os alunos dessas turmas que estão inscritos na disciplina de E.M.R.C. (Educação Moral e religiosa Católica) leram umas frases sobre a família, houve explicações da coordenadora do G.A.A.F. (Gabinete de apoio ao Aluno e à Família), um discurso da senhora Directora do Agrupamento de Escolas e uma apresentação feita pelo senhor Padre.  

 O Padre é brasileiro, bom comunicador e parece saber seu ofício. Prendeu a atenção dos alunos e fê-los participar numa sessão de "sermão e missa cantada". Slogans como: "Família, arquitetura divina", "Família, um projeto de Deus" ou "Eu estou no meio de Deus" foram ditos, repetidos e cantados em coro, como verdades absolutas. Aquilo pareceu-me uma autêntica lavagem ao cérebro. Fui de tal forma apanhada de surpresa que nem tive reacção.

 Eu própria fui educada na religião Católica e acho que não me fez mal nenhum, tendo contribuído para a minha formação como pessoa, para os valores que defendo e para aquilo que sou. E é por isso mesmo que não posso, nem devo, pactuar com faltas de respeito pelas opções religiosas dos meus alunos nem desrespeitar as decisões dos seus Encarregados de Educação.

 Não é por acaso que os pais e encarregados de educação inscrevem (ou não) os seus filhos nas aulas de Educação Moral e Religiosa Católica. É que há, neste país, pessoas que professam outras religiões e muitas que não acreditam em nenhuma.

 Se, para participarem numa visita de estudo, de qualquer disciplina, os alunos devem trazer uma autorização assinada pelo Encarregado de Educação, por maioria de razão, os alunos que não estão inscritos em E.M.R.C. não deveriam participar em actividades organizadas no âmbito desta disciplina, sem autorização dos mesmos.  

 Visto tratar-se de uma escola pública, cabe à Escola, ao seu Conselho Pedagógico e, sobretudo, à senhora Directora do Agrupamento de Escolas zelarem pelos direitos dos alunos no que respeita à sua liberdade religiosa. Neste caso, com a aprovação do Conselho Pedagógico e na presenças das Directoras de Turma, da Coordenadora do G.A.A.F., da professora de E.M.R.C., da professora de Educação Musical (que acumula as funções de Coordenadora de Projectos Pedagógicos, Coordenadora do Plano Anual de Actividades e Coordenadora dos Directores de Turma) e da senhora Directora, foi nitidamente violado o ponto 3 do artigo 43º da Constituição da República Portuguesa e o ponto 1, alínea a) do artigo 7º do Estatuto do Aluno e Ética Escolar. Os alunos que não estão inscritos em Educação Moral e Religiosa católica, pura e simplesmente, nunca deveriam ter participado nesta actividade.

Isabel Braga