O congelador social
Na sua edição de domingo, dia 9 de outubro de 2022 o Expresso num artigo de opinião de Luís Aguiar-Conraria, professor de economia da Universidade do Minho aborda a questão da mobilidade social e de seu motor por excelência, a escola pública.
Segundo este professor universitário: ”O ensino em Portugal mais parece um complô das classes dominantes para evitar a ascensão social dos mais pobres, transformando o elevador social que a escola devia ser num travão. Há umas décadas, apenas uma pequena minoria chegava ao ensino superior. Esse problema foi ultrapassado, mas as formas de discriminação continuam, ainda que mais subtis. Há cursos melhores e piores e as escolas básicas e secundárias parecem desenhadas para assegurar que são os filhos das famílias certas que ascendem aos cursos certos.”
Como é do conhecimento geral, um dos fatores determinantes do sucesso escolar das crianças é o meio sociocultural a que pertence a sua família. Uma escola que fosse um elevador amenizaria essa diferença. De acordo com Luís Aguiar-Conraria, com a debandada das classes altas e médias altas para as escolas privadas, ficámos com um ensino segregado: as escolas públicas ficam com uma clientela sem capacidade reivindicativa e sem competências para apoiar as suas crianças, que por sua vez ficam sem os pares que podiam puxar por elas. Há exceções, mas são isso mesmo, exceções geralmente localizadas nos bairros certos. As privadas tornam-se bolhas de privilégios e garantem o serviço: não só dão notas inflacionadas como garantem uma mais intensiva preparação para os exames.
Este Problema agrava-se na perspetiva do autor deste artigo porque : Os mecanismos de controlo que permitiriam atenuar estas diferenças têm vindo a ser paulatinamente destruídos (por Governos socialistas, sublinhe-se). O caso dos exames nacionais é paradigmático. Como já não contam para as notas finais das disciplinas, servindo apenas para o cálculo da nota de entrada no Ensino Superior, o ministério deixou de recolher informação das escolas privadas sobre as suas notas internas, perdendo o principal instrumento que tinha para identificar casos de inflação de notas. Se já antes havia vários indicadores que mostravam que as escolas privadas eram useiras e vezeiras nesta tática, ficaram agora com rédeas livres.
A supressão de exames tem mais efeitos. Tornou-se verdadeiramente impossível estudar os efeitos das escolas encerradas com medo da covid e do ensino à distância nas capacidades das crianças.
O autor do artigo refere igualmente que: “No início de setembro, nos Estados Unidos, saíram os resultados de exames nacionais a crianças de nove anos. Os resultados foram assustadores. O título do “The New York Times” é ilustrativo: “A pandemia apagou duas décadas de progresso na matemática e na leitura”. Mas não se preocupe, olhando para os dados com mais detalhe, percebe-se que quem se lixa são os mesmos de sempre. Foram os piores alunos a ver a sua performance cair mais, os melhores quase não foram prejudicados. Se olharmos para a decomposição étnica, é mais do mesmo: negros e hispânicos foram afetados de forma desproporcionada. E a explicação é simples: as escolas destes alunos não estavam preparadas para ficarem fisicamente fechadas, além da ausência de apoio familiar em casa com as aulas à distância.
Em Portugal, como não temos dados, podemos fingir que isto não aconteceu e que as desigualdades não se agravaram. Já lhe tinha dito que o nosso ensino mais parece uma conspiração das classes dominantes? Pois, já tinha. Desculpe ser repetitivo.”
Por sua vez, um outro estudo feito em Itália, tem dados animadores para as classes mais instruídas. Neste caso, comparou-se a evolução da aprendizagem das crianças com pais sem curso superior com as restantes. Mais uma vez, a generalidade das crianças viu os seus resultados (neste caso, em Matemática) piorar e, mais uma vez, as que tinham pais sem curso superior ficaram mais prejudicadas. O resultado realmente animador para as classes dominantes vem a seguir: os que mais perderam com as escolas fechadas foram os melhores alunos das famílias mais desfavorecidas, ou seja, os principais candidatos a subir de elevador foram os que viram as portas fechar-se.
Apenas é possível refletir um pouco sobre a explicação, mas não é difícil: as crianças das famílias desfavorecidas com boa performance escolar eram as mais beneficiadas com a escola, eram aquelas que tinham na escola a possibilidade de ganharem o que não têm em casa — o tal ascensor social; com escolas disfuncionais, são as mais prejudicadas.
Em Itália, nos EUA e em vários outros países, estes dados existem. Governos e autoridades escolares estão eticamente obrigados a atuar e a investir nos que ficaram para trás.
Luís Aguiar-Conraria conclui o seu artigo de opinião afirmando que em Portugal, se aplicam planos de recuperação de aprendizagem sem saber quanto se perdeu nem quem é que foi prejudicado. Pelo que, não sabendo, nem precisamos de ser hipócritas para não investir nos que mais perderam.
E termina com uma afirmação polémica, mas que pretende fazer-nos refletir: ”Já lhe tinha dito que o ensino português parece uma conjura para fazer da escola um congelador social!
E que tal pensar um pouco sobre isto!!
Ana Cristina Gouveia