Artigo:O “assalto” à escola nas Caldas da Rainha

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O “assalto” à escola nas Caldas da Rainha

Imaginem, pois, a alegria com que nos esforçávamos para meter nas turmas a avalancha de criançada que de repente (nos dois anos a seguir ao 25 de Abril) invadiu a até então pacata e mais do que suficiente escola Raul Proença, ainda a funcionar nos belos (embora não muito funcionais) pavilhões do Parque nas Caldas da Rainha. Os povos das aldeias que rodeavam a cidade interiorizaram de imediato, com o 25 de Abril, que os seus filhos também tinham direito a ir para o Liceu. Acorreram em massa. E como as instalações não cresceram, foi preciso fazer milagres para possibilitar que todos tivessem lugar. Afastada a vice-reitora (na altura, a Raul Proença de Caldas da Rainha era uma secção do Liceu de Leiria), acabei por aceitar alguma responsabilidade na direção da escola e, por isso, trabalho acrescido. Mas, repito, recordo a alegria com que nos dedicávamos a fazer e refazer os horários, para que todos os candidatos fossem acolhidos. Vivi a alegria(!) de ter de disciplinar as bichas da entrada para o refeitório, concorrido como nunca fora e onde, por absoluta falta de outros espaços, dei algumas aulas de Latim (o professor, o padre Renato, tinha saído para outras funções indicadas pelos bispos) aos (poucos) alunos, aproveitando as horas da manhã antes da chegada das cozinheiras. E recordo como com esses mesmos alunos tivemos as aulas em pavilhões no Parque, já fora da escola e que não eram usadas. Inventávamos espaços para que ninguém ficasse sem aulas.

A Escola Pública para Todos dava então os primeiros passos. Não era a escola de qualidade que exigíamos, mas era a escola que os até então excluídos ocupavam, com pleno direito.

A Escola Púbica para Todos ficará como uma das maiores conquistas do 25 de Abril. Nos anos seguintes melhorará a qualidade dos programas e das aprendizagens, sempre com a participação empenhada, crítica e bem fundamentada do SPGL. É também por isso, porque fizemos milagres para transformar uma escola a todos os títulos obsoleta, herdada de um regime que fez do analfabetismo de grande parte da população um dos seus principais pilares, numa Escola que “pede meças” à de outros países da União Europeia que nos doi ver como a qualidade Escola Pública de Qualidade para Todos está ameaçada pela desvalorização da docência e pelos ataques contra os professores e educadores.

Um dado muito pessoal: todos sabiam, na escola e na cidade e arredores, que eu era comunista, o que, numa cidade tão conservadora como as Caldas da Rainha, tão perto da então tristemente célebre vila de Rio Maior, não deixou de criar a animosidade esperada. (Mas devo dizer que essa animosidade não se manifestava dentro da escola, mesmo entre os colegas de direita, com alguns dos quais gostei mesmo de trabalhar.) Certa manhã, a escola estava toda pintada: “Avelãs filho da puta,” Avelãs isto e aquilo” “Comunas fora da escola”… Não por minha iniciativa, mas de colegas e dos meus alunos, rapidamente foram apagadas essas ofensas e essas parvoíces. A escola pública, escola da liberdade tão recente, mas tão presente, metera na ordem os fachos que ainda tinham a pretensão de voltar ao passado. Abril ia triunfando, mesmo onde as condições não eram as mais fáceis.

É também a memória destes incandescentes e gloriosos tempos, de resistência e de construção, que nos impele a continuar a luta pelos generosos ideais do 25 de Abril.

António Avelãs