Artigo:O Apocalipse dos Jornalistas

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O Apocalipse dos Jornalistas

Quem acompanha os desvarios da comunicação social americana versão Fox News e Newsmax como exemplos máximos da transformação de supostos órgãos de comunicação social em autênticas máquinas de propaganda política, diga-se, de forma totalmente assumida e, até, alardeada, não pode deixar de reparar nas semelhanças evidentes com alguns dos principais jornais e televisões portuguesas, muito em particular da CNN Portugal, da CM/CMTV e do Observador.

A somar à escolha criteriosa dos chamados “comentadores” somam-se os mecanismos de “jornalismo-espetáculo”, em que o coordenador dos debates entre comentadores (quase todos de direita) coloca questões em jeito de confirmação daquilo que ele, jornalista, já terá captado como sendo a verdade da notícia, mormente em desfavor do Governo atual, como mandam as regras implícitas hoje em dia. Ou seja, o jornalista é uma espécie de “chefe da orquestra dialógica”, a marcar o compasso das cantigas de escárnio e maldizer a que o comentador se deverá sentir obrigado, criando-se um clima propício à recompensa pavloviana de aprovação aos que a sigam e a uma quase-censura àqueles que se desviem da unanimidade achincalhante.

Para os patrões de grande parte da comunicação social portuguesa já não basta garantir que o espaço mediático se encontra bem recheado das “vozes da razão”, é preciso também definir o tom e o modo como os jornalistas conduzem a sua exemplar maiêutica de aldrabice intelectual e atropelo aos mais básicos preceitos do jornalismo, tudo, claro, sob o alibi da necessidade de mudar a forma para garantir as audiências.

Enquanto mero espetador, a minha perceção é que nunca a desigualdade de tratamento entre os dois grandes blocos políticos nacionais, esquerda e direita, foi tão grande na comunicação social, hoje, largamente em favor da direita. Uma opção declarada de todos os que mandam no jornalismo e dos jornalistas que se deixam levar nesta cartilha, com certeza muito bem pagos para o efeito, à semelhança dos tais comentadores.

Do ponto de vista da engenharia social, esta espécie de “jornalismo” contribui em larga escala para o crescimento da vulnerabilidade da sociedade aos mecanismos sensacionalistas de comunicação e, em simultâneo, para a assimilação das doutrinas sub-repticiamente empacotadas nos comentários e opiniões automaticamente validadas pelo simples facto de se terem tornado dominantes.

Deixo aqui algumas citações de um artigo escrito por José Pacheco Pereira no Jornal Público a propósito da Comissão Parlamentar de Inquérito sobre a novela TAP, no dia 20/05/23:

“O que escrevi recentemente sobre o modo como, no afã de derrubar o Governo, se está a estuporar a democracia era suficiente, porque nada mudou e é minha convicção que nada vai mudar.”

“Do mesmo modo, as regras do jornalismo desapareceram do espaço público, substituídas por um tratamento comicieiro e politicamente motivado e orientado, que, por falta de alternativa, deixa todos entregues à intoxicação. É como as drogas que criam habituação.”

“O papel de imediatamente “interpretar” o que estava suceder foi entregue a comentadores e jornalistas-comentadores esmagadoramente de direita, com relevo para a brigada do Observador, agora também à noite na CNN. Repetiu-se o que aconteceu no dia da crise, a 2 de Maio, uma fúria incontrolada que, insisto, nada tem que ver com o jornalismo. Quando um diz mata, o outro diz esfola e, por fim, outro diz esquarteje-se.”

João Correia