Artigo:O 25 de Abril contado aos netos da Revolução

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O 25 de Abril contado aos netos da Revolução

(Excertos de algumas cartas dos avós)

Lígia Calapez e Sofia Vilarigues


Tal como acontece com as cerejas, o problema é que nunca se fica por comer só uma. Assim, se inicialmente se discutia um Decreto-Lei, depois passou a abordar-se a situação do país em todas as suas vertentes. Na conjugação destas situações, contam-se espingardas, constituem-se forças, traçam-se objetivos e redige-se a ordem de marcha.

Eu, jovem Capitão, acreditando na mudança, comecei inicialmente a participar de forma clandestina em reuniões com outros camaradas. Quando soou a hora H passei a fazer parte de forma visível e mais ativa no 25A74, um evento que, acredito, será perpetuado na História de Portugal.

Mário Delfim Guimarães Tavares de Almeida – Capitão de Abril


E tudo mudou numa das revoluções mais bonitas que a humanidade foi construindo naqueles anos. (…) E em 1976, precisamente um ano antes da tua mãe nascer, a 2 de Abril, a Constituição foi aprovada. É uma lei linda sobre o direito à habitação, à saúde, à educação, à paz, à cultura e património, à participação democrática e à resistência a tudo o que ofenda os direitos, liberdades e garantias.

Beatriz e João


Sou a mais nova de seis irmãos que acabaram a escola apenas com a 4ª classe (agora o 4º ano), e que, com apenas 12 ou 13 anos de idade, saíram de casa para trabalhar, uma vez que lá não havia empregos. De todos os irmãos, só eu fiquei até mais tarde.

No meio do Alentejo, vivíamos sem eletricidade e sem água canalizada.

Antónia


Nos dias seguintes, havia cravo por todo o lado e toda a gente parecia muito alegre. Comecei a perceber melhor os dias antes do 25 de Abril, o ter medo de pensar em voz alta, não poder ler o que nos apetecia, as canções que não podíamos escutar. Que a tua mamã não podia casar por ser enfermeira, ou que as saias que tanto gostas de usar eram medidas à entrada da escola, pois não se podiam ver os joelhos. Imagina, Alice, era proibido o avô dar um beijinho na boca à avó na rua. Era como viver numa prisão invisível.

Jorge


A tortura era prática habitual. Espancamentos, tortura do sono (não deixar dormir durante dias seguidos), tortura da estátua (obrigar a ficar em pé, o que fazia inchar as pernas). E chegavam mesmo a assassinar. Fui um desses presos. Fui submetido à tortura do sono, estive dez dias sem me deixarem dormir. Mais que outros camaradas presos, muito menos que muitos outros. Depois estive seis meses metido numa cela com um passo de largura, cinco de comprimento, para lá das grades a paisagem era um muro branco. O único percurso que todas as semanas fazia eram quarenta passos por um corredor para ver a minha mãe durante quinze minutos.

Manuel


Antes do 25 de Abril eu não queria ter filhos porque não queria que, tendo um filho homem, ele tivesse que ir para a tropa e passar por aquilo que eu passei. No dia 12 de janeiro de 1966 o avô viu-se obrigado a embarcar para Moçambique para a Guerra do Ultramar. Foram os dois piores anos da minha vida.

Com a Revolução do 25 de Abril, a esperança no futuro finalmente existia. Passados dois anos, a 16 de fevereiro de 1976, vivi outro dia muito feliz, nasceu o teu pai!

Manuel


Como os soldados já não estavam a conseguir segurar tantos cravos, fui à caixa de costura da minha mãe, tirei todos os alfinetes e escapei-me para a rua. Fui ajudar os soldados a pregar os cravos nas fardas com os alfinetes.

Lembro-me muito bem. Eles riam-se e, bem dispostos, tiveram de se baixar para eu pôr os alfinetes, porque eu era muito mais pequena que eles.

Nela