Artigo:Nº 239 Setembro 2010

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TEIMA, TEIMA SEM MEDO



Oh cantador alegre
Que é da tua alegria?
Tens tanto para andar
E a noite está tão fria…

Lembrei-me destes versos de uma música do Zeca após uma conversa com uns colegas, um pouco mais novos do que eu e professores dos mais prestigiados na sua escola. Faziam contas a quanto perderiam se pedissem agora a sua aposentação. E recordavam os tempos em que ir para a escola era uma profunda alegria, escola em que ficavam horas a fio para lá do horário. Ficavam porque queriam e a escola e os alunos precisavam. Eram tempos em que se vivia a escola (agora, vive-se na escola, o que está longe de ser o mesmo…) como uma aposta de realização pessoal e profissional. Tempos houve em que fazíamos milagres para que os alunos coubessem nas salas e nos refeitórios. Entregávamo-nos com alegria a uma tarefa em que acreditávamos. Construíamos o futuro.
Agora, parece não haver futuro para construir. Uma doentia visão administrativa, burocrática, policiadora e penalizadora tomou conta da Escola e da profissão. Da alegria de uma quase missão passamos ao penoso dever de suportar tarefas de gestão, de substituição, de infindáveis e inúteis reuniões, não raras vezes as ofensas gratuitas de uns tantos pais e mães, ilusoriamente armados em encarregados de educação. Todas elas retirando o tempo necessário para preparar as aulas e o trabalho com os alunos.
Como se isso não chegasse, vão agora dividirmo-nos num kafkiano processo de avaliação de desempenho, transformando em questão central da Escola, não o trabalho com os alunos, mas a arte de diferenciar um docente de 7,9 de um outro de 8 ou 7,8, num círculo infernal em que todos estão, todo o tempo, a ser avaliados e ou avaliadores. E sempre com um terrível peso na consciência: uma décima a mais ou a menos pode decidir da vida do colega…

Como se a crise da profissão e da Escola não fossem já de si muito dolorosas, a crise social não cessa de se agravar. E se, como cidadãos, não podemos deixar de nos questionar sobre que (não) futuro é este, como professores sentimos, em muitos dos nossos alunos, o peso da situação. Cresce o número de alunos que só come “decentemente” na escola, cresce mesmo o número de crianças que só têm um primeiro almoço para tomar quando chegam à escola.
E apesar disso, a escola – esta escola pública que queremos que seja em tudo a melhor - continua a ser uma aposta insubstituível de justiça social. Há quem a queira pobre e de fraca qualidade. Há os que, com pezinhos de lã, argumentando com uma demagógica liberdade de escolha, pretendem desviar os dinheiros públicos para os seus colégios privados. Mas há sempre entre nós os que não desistem de construir um futuro colectivo com justiça.
É por isso que apesar de a noite estar tão fria temos que recuperar a alegria da luta por uma profissão e uma escola que “nos encham as medidas”. E relembremos o Zeca:

Desde então a lavrar
Na minha alma em segredo
Ouvi uma voz cantar
Teima
Teima sem medo.