Artigo:Nova Guerra Fria ou início de Guerra Quente?

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Nova Guerra Fria ou início de Guerra Quente?

“Penso que não precisamos de dramatizar enquanto as negociações estão a decorrer, e estas estão a decorrer” (DN, 25/1/2022). Estas declarações do representante para a política externa da União Europeia, o espanhol Josep Borrell, revelam que a tensão bélica na Europa de Leste junto das fronteiras da Ucrânia poderá desembocar, se não for conseguido um compromisso político, num “estado de guerra” de consequências imprevisíveis.

O conflito em curso tem origem nas reivindicações da Rússia com vista a impedir a entrada da Ucrânia na NATO e o estacionamento de forças militares da Aliança Atlântica na Europa Leste, nomeadamente que haja um compromisso explícito da parte das potências ocidentais em não instalarem mísseis nucleares nesta zona e na própria Ucrânia, apesar de este país não integrar ainda o Tratado do Atlântico Norte. Outra das causas da tensão política e militar é o estacionamento de tropas russas junto da fronteira Leste da Ucrânia que, segundo fontes ocidentais, se preparam para invadir o país em defesa dos separatistas da região de Donbass, aliados da Rússia, no leste do país. Em contrapartida, Moscovo argumenta que está em vias de sofrer uma ofensiva militar de Kiev com apoio dos seus aliados ocidentais.

“A NATO vai continuar a adotar todas as medidas necessárias para proteger e defender todos os aliados, incluindo o reforço da parte leste da aliança. Vamos responder sempre a qualquer degradação do nosso ambiente de segurança, até através do fortalecimento da nossa defesa colectiva” (Público, 25.1.2022). Estas declarações do secretário-geral da NATO, Jens Stoltenberg, apenas contribuem para lançar mais achas para a fogueira, já que a Ucrânia não está abrangida, ao contrário dos países do leste da Europa, pelo tratado de protecção colectiva que assegura uma assistência militar a todos os membros da Aliança Atlântica em caso de ataque de outra potência. Porém, a Polónia e a Roménia, países que entraram para a NATO depois de 1997, têm tropas desta organização militar estacionadas no seu território. Entretanto, o porta-aviões USS Harry Truman participou pela primeira vez em exercícios militares no Mediterrâneo sob o comando da NATO, o que significa que os Estados Unidos estão, como a Rússia, a adotar uma postura belicista de guerra cada vez mais inevitável.

Perante esta situação extremamente grave, é legítimo interrogarmo-nos qual das duas partes ou ambas estão a alimentar a tensão militarista. Para a generalidade da imprensa ocidental será a Rússia que se prepara para invadir a Ucrânia para defender os separatistas pró-russos da região de Donbass. Embora o estacionamento de 100 000 soldados russos junto da fronteira ucraniana do Leste seja preocupante, já que a Ucrânia não constitui uma ameaça para a Rússia, da mesma forma a recusa de um compromisso da parte da Aliança Atlântica e dos EUA relativamente a um eventual estacionamento de mísseis nucleares nos países aliados do Leste da Europa ou numa futura Ucrânia integrada na NATO é também um poderoso fator do agravamento da instabilidade na região.  Por outro lado, o nacionalismo do regime de Putin, com o seu apoio à extrema-direita europeia traduzido pelo financiamento da campanha de Marine Le Pen e indiretamente do partido A Liga de Matteo Salvini, de acordo com uma investigação do semanário italiano L’Espresso, a postura belicista simbolizada pela invasão da Geórgia (2008) e a anexação da Crimeia (2014) são fatores de agravamento das tensões internacionais, tanto mais que a Rússia parece ainda não ter compreendido que já não é, como os EUA, uma potência global após a dissolução da ex-União Soviética, período em que as suas fronteiras estavam ainda protegidas pelos seus aliados do Pacto de Varsóvia.

Emmanuel Macron, num encontro com o primeiro-ministro alemão Olaf Scholz, propõe uma alternativa: o recuo da escalada militar russa na fronteira com a Ucrânia só será possível com “um diálogo forte e uma solução política para os estados do Donbass”. No entanto, o início da retirada do pessoal diplomático em Kiev pela Grã-Bretanha e a saída dos familiares dos funcionários da embaixada norte-americana no país e de todo o pessoal não estritamente indispensável ordenada pelo Departamento de Estado não auguram nada de bom. Se a isto acrescentarmos que a Lituânia e a Letónia enviaram, com o beneplácito de Washington, mísseis terra-ar Stinger para a Ucrânia, o que não deixa de ser também muito preocupante, já que o próprio governo ucraniano rejeitou na quarta-feira que uma invasão russa do país estivesse na ordem do dia. Estaremos então perante uma tragédia iminente de consequências incalculáveis ou de um gigantesco show-off? Só o futuro nos poderá dar uma resposta.

Joaquim Jorge Veiguinha